Na Antiga Aliança (Antigo Testamento), o sumo sacerdote cumpria funções especiais mesmo entre os outros sacerdotes. Apenas ele entrava no Santo dos Santos, uma vez por ano, para, entre outras coisas, jogar o sangue do sacrifício sobre a Arca da Aliança (Lv 16). Ele era um sacerdote, mas era o primeiro entre seus pares.
Quando a Arca da (Antiga) Aliança desaparece, escondida pelo profeta Jeremias para jamais ser encontrada (naquela forma), o sumo sacerdote entrava em um vazio Santo dos Santos. Mesmo com a construção de um segundo Templo, o fim da Antiga Aliança se aproximava.
O capítulo 26 do Evangelho segundo São Mateus (Mt 26) contém uma narrativa rara em sua forma, que gira ao redor da narrativa principal, a instituição da Eucaristia. Tirando a obviedade de que tudo se refere a Cristo e Ele está no centro da narrativa, note que ela oscila rapidamente entre São Pedro e o sumo sacerdote Caiafás. De fato, os dois são quase a marcação do tempo na narrativa.
O capítulo começa (Mt 26,1-5) com a primeira transição da narrativa de modo que Caiafás participe da trama para prender e matar Jesus. Depois da instituição da Eucaristia, a narrativa oscilará rapidamente. São verdadeiros saltos como os cortes rápidos em filmes modernos. Isso não é usual para a narrativa bíblica (ou qualquer uma da época) e reforça a idéia de uma contraposição sendo feita por meio do destaque dado aos dois.
Vale notar que os seus nomes em Grego, derivados do Aramaico falado na época, eram ‘Cephas‘ (Κηφᾶς) e ‘Caiaphas‘ (Καϊάφας). A similaridade não é por acaso. Para muitos pesquisadores, Caiafás é apenas uma variação de Cefas (Kefas), o nome de São Pedro.
Caiafás pergunta: “É você o Cristo, o Filho de Deus?” (Mt 26,63). Essa frase é praticamente igual à proferida por São Pedro em ‘Mt 16,16‘, com a diferença marcante que a do apóstolo é afirmativa, praticamente respondendo à pergunta de Caiafás: “Você É o Cristo, o Filho de Deus!”.
O principal é o que o Senhor diz a Pedro em seguida: “não foi carne ou sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17). Revelar, em grego, é ‘apokalipto‘ (ἀποκαλύπτω), de onde vem a palavra Apocalipse, que indica uma revelação divina, o descortinar de uma realidade transcendente para os olhos humanos.
O ponto aqui é que apenas por intermédio do Espírito Santo é que a identidade do Senhor nos é realmente revelada e apenas se Ele assim o quiser (Mt 11,25-27). O que foi negado a Caiafás se revela especificamente a São Pedro entre os apóstolos pela vontade de Deus.
O capítulo 26 ganha nova perspectiva se observarmos como o autor intercala a narrativa com aparições pontuais de São Pedro. A intenção parece ser precisamente contrapor o sumo sacerdote da Antiga Aliança, a quem a identidade de Deus não é mais revelada, e aquele que foi escolhido pelo Senhor (Mt 16,13-20) para ser o primeiro entre os seus irmãos de sacerdócio na Nova Aliança, o Sumo Sacerdote da Nova Aliança.
Ao ser escolhido pelo Senhor, São Pedro recebe as “chaves do Reino dos Céus” e lhe é dito que tudo o que ligasse na terra, seria ligado no céu; e tudo o que desligasse na terra, seria desligado no céu. Alguns cristãos separados vêem nessa passagem mero simbolismo. Na verdade, o Senhor está citando uma passagem do profeta Isaías (Is 22,22). É importante entendê-la e o seu contexto.
O profeta Isaías foi enviado pelo Senhor para retirar do poder o antigo ocupante do cargo que seria o equivalente ao ‘primeiro-ministro’ do rei. Ele seria substituído por um novo primeiro-ministro a quem seriam entregues as chaves do reino de Davi. Note o plano de Deus para esse ministro e sua linhagem sacerdotal e a similaridade com o papado: ele “seria um pai para todos“; nele estariam ligados todos os ‘ramos’, dos menores aos maiores; por seu intermédio, todos seriam membros da mesma família; ele seria substituído por outros etc (Is 22,15-25)
Esse primeiro ministro era o ‘Al Ha-Bayit‘ (עַל הבית), que é quem cuida da ‘Casa’ (Bayit) do Rei . É a “oikonomia” (οἰκονομία), a economia divina, a administração da Casa de Deus.
Ao contrapor São Pedro e Caiafás dessa maneira, o Evangelho segundo São Mateus enfatiza a passagem da Antiga para a Nova Aliança. Um novo sumo sacerdote substituiria o antigo, a quem nada mais era revelado pelo Espírito Santo por conta de sua falta de fé no cumprimento messiânico. Ao novo sumo sacerdote foi revelado quem era o Cristo de Deus; a ele seriam dadas as chaves da Casa Real do Senhor; ele seria um pai (Papa) para todos; e através dele estariam ligados todos os outros ramos unidos ao tronco de Davi, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sim, o mesmo Pedro que negaria o Senhor e se mostraria imperfeito, porém, é prudente lembrar o que o Senhor diz em ‘Mt 11,25-27‘: Ele apenas mostraria isso aos ‘pequenos’. O sumo sacerdote da Nova Aliança, o primeiro-ministro de Deus, é um homem falho, um pecador como todos os outros. A diferença é que, por sua fé e cooperação com o Espírito Santo, pela vontade do Senhor, ele foi escolhido para cumprir uma função. Tal responsabilidade seria protegida dos erros provenientes de nossa natureza humana manchada pelo pecado.
O Sumo Sacerdote Real, Jesus Cristo, deixaria as chaves do Seu Reino na terra com São Pedro, o primeiro papa. Desligado do papa não há ligação com o Senhor. A Antiga Aliança terminaria com o véu do Santuário se rasgando (Mt 27,51), véu que separava o local onde apenas o sumo sacerdote poderia entrar. Na Nova Aliança, os Céus e a terra unem-se em um mediador perfeito, Jesus Cristo. Esse também é o cumprimento do sonho de Jacó (Gn 28,11-16), em que a escadaria (uma prefiguração de Cristo e Sua Igreja) une o céu e a terra.
Na Nova Aliança, o Senhor está conosco nos Seus Sacramentos, especialmente a Eucaristia, para todo aquele que se unir a Ele através da Sua Casa na terra. Essa Casa Real tem um “Primeiro-Ministro”, cumprindo o que foi profetizado e prefigurado antes e mantendo o sacerdócio como é necessário para cumprir a missão da Igreja. Esse primeiro-ministro é o sumo sacerdote do Senhor na terra. Ele continua conosco, sendo substituído o homem, mas sem jamais faltar um pai para nós.
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista
P.S. – Quer mergulhar ainda mais no tesouro de Sabedoria das Escrituras? Adquira já o curso Bíblico “Como Ler a Bíblia: a Teologia da Aliança”:
https://hotm.art/ComoLeraBiblia
Doe e ajude o apostolado! Muitas opções para doar:
– Financiamento coletivo: você doa mensalmente e assina o podcast do apostolado: www.catarse.me/papistacast
– PIX: papista2015@gmail.com (não leio e-mails nesse endereço. Só para doações!)
– Doação segura, via Paypal, no botão de doação na página inicial deste site:
Você pode se tornar um Patrono deste apostolado doando mensalmente qualquer valor via Patreon:
http://www.patreon.com/papista
Olá.
Caro,
assim como os outros artigos, esse foi muito bem escrito e está carregado de ensinamentos valiosos para nós católicos. No entanto, admito que fiquei com uma pequena dúvida num certo momento. Para poder entender melhor o que estava sendo ensinado nesse texto, depois que você citou o fato de que a cena de Jesus fazendo de Pedro, Papa, fui ler Isaías 22, 15-25 e notei que no final encontra-se a seguinte passagem, segundo a Bíblia Ave Maria:
“Porém, um belo dia” – diz o Senhor dos exércitos –, “o prego, fincado em lugar firme, cederá, se arrancará e cairá, e toda a carga que ele sustentava será feita em pedaços” –, palavra do Senhor.”
Poderia me esclarecer a que se refere esse versículo? Seria ao fim dos tempos?
Oi, Ian. Tudo bem? A Paz de Cristo!
Lamento a demora em responder, mas não recebi nenhuma notificação do site sobre comentários. Algo no sistema falhou. Só vi agora.
Essa passagem é mais restrita em sentido como profecia sobre o reino e seus governantes. Ou seja, Isaías mostra como a corrupção do reino davídico (agora governado por reis muitas vezes imorais) levaria até mesmo os que receberam tamanha responsabilidade à queda. Isso não tem paralelo com a Igreja Triunfante ou a autoridade papal. Porém, pode-se dizer que a Igreja Militante, nós na terra, podemos cair sob o peso dos nossos pecados. Mesmo estando vivendo sob as bênçãos do Reino de Deus.
Muito obrigado. Fique com Deus!
Amigo, seus posts e sua análise bíblica são muito interessantes e didáticas. Continue nessa missão pois saiba que é muito importante para nós católicos principalmente aqueles que tem muitas dúvidas ou querem conhecer melhor sua fé.
Muito obrigado! Conto com as suas orações. Fique com Deus!