Em uma conversa com o grande apologista católico Dave Armstrong, ele me contou sobre o caso de outro apologista conhecido, Mark Shea, que teve sua participação em uma ‘revista eletrônica’ (se é assim que se diz) cancelada. Talvez em outros sites também. Shea é um apologista famoso nos EUA, com bons livros publicados, centenas de artigos, uma longa vida dedicada a responder questões sobre a fé católica e a doutrina da Santa Igreja. Porém, Shea se tornou uma figura mal vista por muitos nas redes sociais. Com um comportamento que ia do puro ódio aos ataques pessoais até mesmo contra outros católicos, ele foi perdendo colegas e até mesmo trabalhos. O motivo é simples: Mark Shea politizou o movimento ‘pró-vida’.
A defesa da vida é uma luta em vários fronts. O que começou como a luta contra o assassinato pelo aborto, passou a englobar questões mais abrangentes da Bioética, como a eutanásia. Hoje em dia, questões sócio-econômicas são parte de uma definição abrangente do movimento pró-vida. A idéia é que a pobreza e a insalubridade são questões de defesa da vida, e devem ser parte do movimento pela vida.
Alguns desses questionamentos são, em teoria, legítimos. Porém, eles servem para nublar o que é fundamental no pró-vida. Por exemplo: a paz é parte do movimento pró-vida? Afinal, a guerra mata. A pobreza, já que ela também pode matar? Saúde pública também? Como lidar com tantas pautas?
No fundo, qualquer tópico fora das questões bioéticas fundamentais são uma tentativa de soterrar o movimento pró-vida com o que vai além do seu escopo. Outra forma de enterrar a discussão é simplesmente politizar o movimento. As duas coisas tornam a defesa da vida praticamente inerte. Ou paquidérmica como o serviço público.
Se o movimento pró-vida deve passar a maior parte do tempo refletindo sobre o seu escopo antes de sair da teoria para o fato concreto, ele jamais sairá. Se tornará uma fútil discussão interna sobre quais princípios o movimento defende. Já o fato da politização tornar algo ineficiente seria auto-explicativo quando se olha para a ação governamental. Mas o ponto aqui é a politização ditando uma questão sobre absolutos!
Mark Shea, assim como tantos outros, se tornou agressivo quando pessoas ativas do movimento contra o aborto não se posicionavam sobre o programa de candidatos que ele não gosta. De fato, o apoio do movimento pró-vida ao candidato republicano contra a abortista Hillary Clinton foi a gota d’água para o apologista. Ele exigiu uma mudança de postura, e ofendeu todo o movimento contra o aborto por, segundo ele, escolher apenas um lado da questão pró-vida. Em sua opinião, se Hillary é a favor do aborto, os republicanos não defendem outras questões sociais que ele julga tão relevantes quanto o aborto, como se tivessem o mesmo peso. Para Shea e outros liberais, se Trump tem uma solução forte para o problema da imigração e a crescente invasão do terror através da mesma, ele não seria totalmente pró-vida. Logo, segundo ele, Trump não mereceria o apoio dos católicos, ou de qualquer um envolvido no movimento pró-vida.
A polêmica trouxe à tona a velha discussão sobre um católico poder votar em um candidato que defende o aborto (do movimento chamado cinicamente de ‘pró-escolha’). Católico ou qualquer religioso. Ou simplesmente um conservador. Mas, no caso aqui discutido, se católicos podem apoiar um candidato abortista.
Para Mark Shea, votar em Hillary é tão pró-vida quanto votar em qualquer outro. Para ele, se não há nenhum candidato que defenda todo o espectro pró-vida possível, todos são iguais. Segundo esse raciocínio, alguns defenderiam tais e tais propostas pró-vida, e outros defenderiam outras.
Em primeiro lugar, voltamos ao problema da definição do movimento pró-vida. O problema de uma definição impossível se alongarmos indefinidamente para que caibam nela toda e qualquer questão sócio-econômica e politicamente correta que possa ser imaginada.
No fundo, o que alguns exigem é que um candidato defenda as causas liberais de governo gigante, programas sociais, e o assistencialismo. Se o candidato não tiver esse perfil, segundo a definição de Shea e outros, ele também não é pró-vida. Logo, para quem defende essa idéia, os católicos estariam livres para votar em qualquer um.
Em segundo lugar, há uma absoluta falta de objetividade na aplicação dos devidos pesos e medidas sobre esses pontos de discussão. Ninguém questiona a importância de se cuidar dos pobres. É uma obrigação cristã! Porém, ao retirar a caridade (ação individual) do cuidado para com os pobres, você dá peso absoluto para ações governamentais. Você também distancia o homem do seu próximo, tornando-o cada vez mais alheio ao amor e a caridade em ação. Algo que sairá cada vez mais caro para nós, já que estamos nos transformando em uma sociedade insensível que mais parece uma selva.
No momento em que o homem entrega ao governo o que deveria ser sua responsabilidade pessoal, ele aceita soluções políticas para os seus problemas. E soluções políticas são variadas. De fato, poucas (ou nenhuma) soluções são definitivas ou perfeitas. Na política brasileira, por exemplo, há pouca diferença concreta em boa parte das propostas. Alguns grupos políticos têm propostas que só se diferenciam no nome. Os resultados, experiências passadas nos mostram, seriam muito parecidos. Ainda que haja diferença, o que é a melhor solução? Mais disso ou menos daquilo? O copo meio cheio ou meio vazio? Esse exemplo ilustra bem o campo sócio-econômico atual do país. A economia politizada, aquela que retira do homem a sua responsabilidade, pode ter resultados diferentes ao longo da história, mas nada definitivo.
Você pode ter boas propostas e bons resultados com diferentes medidas. Você pode diminuir a pobreza por um tempo, mas talvez outro projeto pudesse ter um efeito similar, um pouco pior aqui, um pouco melhor acolá. Resolve agora, mas não resolve a longo prazo. Retira alguns da pobreza agora, mas coloca outros tantos depois. Ou melhora os números gerais no futuro, mas deixa alguns morrerem de fome agora. São muitas as possibilidades. Esse é o problema de se incluir questões sócio-econômicas no pacote pró-vida. Elas não têm solução perfeita. Existem, sim, soluções superiores, mas não perfeitas. E certamente não de imediato. Nada que resolva tudo isso como um passe de mágica.
Isso nos traz à única conclusão possível. As questões reais do movimento pró-vida são aquelas que tratam de absolutos! Se é possível ter opiniões, tratamentos, soluções e consequências diferentes para questões sócio-econômicas, o mesmo não se aplica a questões examinadas pela moral cristã e a Bioética.
Você pode discordar de algumas propostas de um candidato e ainda assim votar nele. Algumas coisas são questões de ajuste, ou de estratégia. Porém, outras coisas significam muito mais do que a proposta de alguém sobre o controle da inflação, ou a taxa de juros. Certas questões versam sobre o certo e o errado. O absoluto moral ou o relativismo que conduz à barbárie.
Ou você é a favor do aborto, ou é contra! Não há meio aborto! Não existem soluções diferentes! Ou a vida é protegida em sua infinita dignidade desde a concepção, ou ela é relativizada ao ponto do calendário definir se aquilo é uma criança ou algo que ainda pode ser assassinado e extraído do útero materno. Se a vida não é um absoluto, o que se segue é o relativismo total. Se é possível uma mãe abortar seu filho, ela não precisa se responsabilizar por mais nada! Nem a sociedade, que abre mão de sua proteção aos mais fracos para aceitar qualquer tipo de comportamento.
O aborto não é parte da política. Não é uma questão de qual é a melhor estratégia para o futuro. É a humanidade no momento-chave de sua existência, quando ela diz se protege ou se ignora a vida.
Um bebê, imagem e semelhança de Deus Pai, e dotado de alma imortal desde a sua concepção, é o símbolo do que é mais precioso para o homem: a sua infinita dignidade como filho de Deus; protegido de um julgamento que cabe apenas a Deus; o mais fraco entre os fracos, e o mais inocente entre os inocentes. Se o homem pode assassinar seus próprios filhos ao seu bel prazer, nada mais nos resta senão a barbárie.
Nenhuma sociedade abortista sobreviveu. A nossa, se escolher continuar e até mesmo aprofundar esse caminho do infanticídio, também não sobreviverá!
Nenhum católico pode apoiar um candidato abortista! Tal candidato pode ter propostas boas ou ruins, mas apenas a defesa da vida é absoluta. O aborto, ao contrário, é a absoluta perdição no abismo do relativismo.
Mark Shea, assim como tantos outros, acreditam erradamente que o aborto está no mesmo patamar que a política. Mas aí é que está a diferença! Existem coisas negociáveis. Isso é a política. Não só faz parte da política, como é o jogo político em si. A vida não faz parte disso!
A vida é o absoluto em meio ao caos do mundo. É o que nos dá a certeza de que há esperança. Esperança de que nem tudo é relativo. Defendê-la nos mostra que existe a possibilidade de felicidade para todos, ainda que não agora. É a esperança de que existem coisas pelas quais vale a pena se sacrificar. Coisas que, enquanto absolutas, são a estabilidade em meio aos caos da vida pecadora. É o pecado que clama por um individualismo tão agressivo que degrada a vida para tentar tapar um buraco sem fundo na alma. Contra isso vale a pena o sacrifício!
Tal sacrifício foi feito por nós. O Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, se sacrificou por todos! Esse sacrifício salvífico nos indica que Deus vê em seus filhos algo que vale um ato de amor definitivo. É a Sua imagem, que carrega infinita dignidade, e só por Ele pode ser levada. O Senhor nos conhece desde antes da concepção, e em Seu nome devemos ser protegidos desde esse primeiro momento.
“Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci” (Jr 1,5)
“Deus, que me separou desde o seio de minha mãe e me chamou por sua graça” (Gl 1,15)
O aborto é a única questão sem meio-termo ou soluções variadas. Do momento da concepção em diante, ou a criança nasce, ou morre. Só Deus pode dizer se ela não vai nascer. Não podemos abrir mão disso! A religião e o senso comum nos mostram claramente que a vida não pode fazer parte do jogo político! Sob pena de entregarmos não só nossa humanidade, como as nossas almas. No momento em que negociamos a vida no jogo político, escancaramos a porta para que tudo seja negociável. Perde-se o limite, a última barreira que nos separa da barbárie e da perdição.
A vida é inegociável!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista