O teólogo suíço Hans Küng um dia foi um promissor teólogo. Seu talento com a teologia ainda muito jovem lhe rendeu o interesse de uma geração fascinada com sua verborragia, sua desenvoltura entre teólogos reconhecidos, seu espaço na mídia e entre alguns conhecidos cardeais do bloco de língua germânica. Pouco tempo depois de sua meteórica ascenção, muitos começaram a perceber que, na verdade, Hans Küng gostava mais da atenção, de estar na mídia e entre membros da cúria, do que da teologia ou da Igreja. Ser popular é sua missão em vida.
Nascido em 1928, em Sursee, na Suíça, Küng estudou filosofia e teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, a famosa escola romana, casa em que tantos grandes nomes da teologia estudaram desde sua fundação em 1551, por Santo Inácio de Loiola. Durante o Concílio Vaticano II (CVII), Küng foi um dos teólogos de língua alemã a ser recomendado como perito (peritus), e assim acompanharia alguns cardeais como intérprete no caso de alguma discussão teológica mais complexa. O outro famoso peritus de língua alemã era o jovem Joseph Ratzinger, um promissor, porém discreto, teólogo alemão. Os dois ficaram muito conhecidos por seu trabalho, e Küng especialmente por seu talento com a mídia. Poucos anos mais tarde, o suíço insistiu para que Ratzinger se tornasse professor na mesma faculdade em que ele dava aulas. O que foi, no fundo, o começo da barreira que se abriria entre os dois. Essa diferença vale um artigo próprio no futuro, com a devida teologia debatida mais profundamente.
Até aquele ponto, um dos mais conhecidos teólogos do mundo era o também suíço Karl Barth. Barth foi o mais importante teólogo protestante do século XX. Küng escreve o que seria seu livro mais famoso: “Justificação: uma reflexão católica da doutrina de Karl Barth”. O próprio Barth permite que seja publicada no livro uma nota sua atestando que seu pensamento foi bem explicado por Küng. A tese central de Küng, embora ele fique em cima do muro sobre as ações da Igreja, é que tanto Lutero como Barth erram em sua teologia ao rejeitar a doutrina católica por causa de erros humanos. O sucesso do livro, e do diálogo com Barth, abre espaço para outros teólogos que adotavam posturas cada vez mais liberais, como o jesuíta alemão Karl Rahner e o dominicano belga Edward Schillebeeckx.
Por outro lado, logo depois da mudança de Ratzinger para a faculdade de Tübigen, a diferença entre os dois colegas se acentua, se tornando quase uma metáfora para a ruptura entre os mais eminentes teólogos da época. É fundamental não colocar de lado o fato de que o movimento marxista vinha ganhando enorme força nas universidades do mundo todo, e o movimento teológico liberal de forma alguma pode ser visto separado disso. Küng, assim como outros, apoiavam o movimento e as revoltas estudantis, ao que, assim como hoje, eles chamavam cinicamente de “diálogos”. Ratzinger é o primeiro a dizer que tudo isso soava muito familiar para quem tinha visto o nazismo de perto. Por fim, a ruptura se deu em suas publicações. De um lado, os membros do jornal de teologia Concilium: Küng, Rahner, Schillebeeckx, Marie-Dominique Chenu, Yves Congar e outros. Do outro lado, a resposta católica mais ortodoxa, o recém fundado jornal Communio, com Ratzinger, Hans Urs von Bathasar, Henri de Lubac, Walter Kasper e mais alguns.
O que deve ser entendido dessa situação é que não é apenas uma diferença de opiniões válidas, ou ausência de diálogo. O que precipitou essa ruptura foram as posições de Küng e os outros, completamente alheias ao Magistério da Igreja. Em especial, a sanha contra o dogma da infalibilidade papal. No fundo, contra o Concíclio Vaticano I (CVI) e, mais especificamente, a Constituição Dogmática “Pastor Aeternus“, de 1870.
Por que esse documento foi alvo de tantos teólogos? Em primeiro lugar, há que se entender que o documento em si não é controvérso sob os olhos da Tradição. O documento só pode gerar alegria e obediência dos filhos da Igreja. Ele não inventa teologia nem autoridade, já que essa vem de Cristo (Mt 16,18-19). Tampouco essa teologia é novidade, já que ela vem desde o princípio do cristianismo; há larga discussão novamente na Idade Média; e depois mais intensa novamente no período da Contra-Reforma. Assim como em muitos outros documentos, o conteúdo é um gesto de se definir e colocar no papel um entendimento que sempre existiu! Infalibilidade Papal sempre existiu! O que faltava era se colocar no papel de forma definitiva. A parte da controvérsia está apenas nos olhos de quem gostaria de acreditar que, na ausência de um documento, tal dogma poderia ser ignorado. Isso seria uma heresia cínica.
A Constituição “Pastor Aeternus” define basicamente quatro coisas:
-A primazia de Pedro e suas fontes bíblicas e teológicas;
– A Primazia Petrina perpetuada na sucessão dos pontífices romanos (Papa);
– A definição da extensão e forma da Primazia do Papa, uma explicação de sua posição de autoridade entre seus pares, os bispos;
– A Infalibilidade Papal.
O movimento liberal católico, se desenvolvendo sob as benesses do marxismo e do modernismo, via duas barreiras fundamentais na Constituição Dogmática do CVI. As aspirações liberais viam com bons olhos uma descentralização do poder magisterial. Porém, ao contrário do que foi feito no CVII e ainda no pós-concílio, com uma definição melhor das atribuições dos bispos e suas responsabilidades diocesanas, os liberais queriam uma autonomia total. A infalibilidade papal e a primazia petrina eram barreiras inaceitáveis para o movimento modernista. Exatamente porque eles desejavam criar ‘magistérios’ dentro do Magistério. Eles queriam poder absoluto para os sínodos dos bispos, em que esses encontros definiriam como o catolicismo local seria, a despeito de Roma e do Magistério. Para conseguir seu intento nebuloso, eles não poderiam reconhecer o documento do CVI que tratara desses assuntos quase cem anos antes.
Note que duas coisas foram resultado direto desse movimento liberal. A primeira foi a confusão no CVII sobre conciliarismo e colegialidade, e a real autonomia dos bispos. A segunda foi a confusão pós-Concílio Vaticano Segundo, o “Falso Espírito do Concílio”, como bem definiu o então cardeal Joseph Ratzinger. As duas são frutos do cinismo de Küng, Rahner e Schillebeeckx, alguns dos principais opositores da constituição “Pastor Aeternus”.
Na impossibilidade de invalidar a infalibilidade papal, Küng apela para o obscuro Concílio de Constança, no século XV (1414-1418). Especificamente o trecho escrito para resolver questões de usurpadores no Trono de Pedro, e uma definição de conciliarismo que subordinava a autoridade papal aos Concílios. Porém, o papa legítimo, Martinho V, jamais ratificou essa norma. Küng, no entanto, afirma que essa norma quase desconhecida e não ratificada é válida para limitar a autoridade papal. Uma apelação tola que jamais encontrou eco nem entre outros teólogos liberais. Mas o mal estava feito. Com base nessa embromação e em muita retórica sem conteúdo encampada pela mídia, as décadas depois do CVII foram nubladas pela ação de Küng e seus colegas.
Sem poder questionar a primazia papal, o suíço passa a ser um dos principais agentes da confusão sobre colegialidade. Foi a premeditação desses teólogos que causou uma resposta igualmente dura do lado tradicionalista. Em alguns casos, a sensação de que os liberais haviam dominado o Concílio foi tão forte, que a resposta foi igualmente forte e equivocada, com os dois lados negando o CVII por acreditar que o outro o havia contaminado. Nenhum está certo! Mas talvez seja a hora de se acabar com a ficção de que os tradicionalistas são os culpados por tudo, quando é um fato que os exageros radicais-tradicionalistas foram uma resposta contra os liberais. Passou do ponto? Sim, muitas vezes! Mas era uma resposta, e não uma posição cômoda, de quem queria apenas manter seu status como numa corte. Isso não é verdade! E é facilmente verificado pela teologia de alguns dos principais peritus, como Küng e outros, e por depoimentos da delegação liberal (ver artigo https://www.papista.com.br/2015/01/27/o-reno-desagua-no-tibre/ ).
A triste verdade é que um dos teólogos mais promissores de sua geração preferiu a inovação pela inovação, e os holofotes que vinham com cada “novidade” que ele abraçava. Hans Küng foi provavelmente o teólogo mais popular de sua época, com a ajuda de uma mídia faminta por escândalo, polêmica e liberalismo. Sua necessidade de atenção, e seus ataques virulentos contra a Igreja, tornaram sua convivência complicada até mesmo entre seus colegas liberais. Karl Rahner dizia que só se sentiu à vontade para conversar teologia com Hans Küng depois que este foi proibido de ensinar e se apresentar como um teólogo católico. Tratar Küng como um teólogo não-católico, segundo Rahner, tornou o diálogo possível. Isso vindo de Rahner, que se tornou a opção liberal católica favorita no século XX depois do afastamento do suíço. Não só porque, justiça seja feita, sua obra intelectual é muito superior à obra de Küng, mas porque mesmo os teólogos católicos mais liberais não têm coragem de juntar seu nome ao do suíço rebelde.
Este artigo surgiu da minha leitura da notícia de que Hans Küng andou fazendo o que sabe fazer de melhor: correu para a mídia para se colocar no noticiário e fazer sua propaganda. Ele disse que enviou uma carta ao Papa Francisco pedindo para discutir abertamente com ele e o Vaticano sobre, claro, infalibilidade papal. Diz ele que recebeu uma resposta e, embora não tenha revelado exatamente o que foi, disse que o Papa se mostrou aberto ao diálogo e foi muito cordial e amoroso em sua resposta. O que tudo isso significa? Nada! Hans Küng quer apenas parecer ainda relevante e criar a falsa idéia de que há um diálogo sobre uma questão canônica que não será alterada.
O que ele e outros liberais, e nisso incluída aí boa parte da mídia, deixam de mostrar é que, do outro lado, o Papa Francisco pode finalmente resolver o caso da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X (FSSPX), que até hoje não goza de status canônico. De fato, as conversas nunca estiveram tão avançadas. O Papa autorizou a Fraternidade a celebrar o sacramento da reconciliação (confissão) durante o Ano da Misericórdia (do Natal de 2015 até novembro de 2016), e há conversas sobre a mesma receber o status de “Prelatura Pessoal”, assim como a Opus Dei. As reclamações habituais da FSSPX, que não poupa a última encíclica do Papa Francisco (Amoris Laetitia) de uma brutal ignorância que parece vinda de quem não leu realmente o documento, encontram seu freio apenas na pessoa do Papa Francisco. O papa argentino é reconhecido por eles como um grande aliado na Argentina, o país sulamericano visto pelo Arcebispo Lefebvre como o futuro da Sociedade fora da Europa, e que teve em Bergoglio e outros uma defesa contra sua extinção na época da excomunhão de seus membros (1989). Além disso, o líder atual da FSSPX, Bispo Fellay, afirma reconhecer no Papa seu ardente desejo por inclusão e união de todos em uma Igreja que reconhece seus problemas e os resolve com diálogo, mas não exclui. E que Francisco tem o mérito da visão de uma Igreja que não olha apenas para si mesma, mas que procura por suas ovelhas perdidas.
Esse é o destino do Sumo Pontífice. Muitas vezes sofrer em silêncio os ataques de uma mídia e de palpiteiros que não enxergam (ou não querem enxergar) todos os lados. Eles sabem que Hans Küng falou com o Papa (porque o suíço correu para a mídia), mas não sabem que Francisco está em diálogo com a SSPX, e que uma solução para a falta de união está mais adiantada do que nunca. O Papa não “se vendeu” para nenhum lado, e nem vai abrir mão de Doutrina, Tradição, ou de sua autoridade e do Magistério. Mas certamente será ofendido pelos radicais de qualquer lado. Faz parte de sua missão! Poderíamos, talvez, não dar mais tanta atenção para gente como Hans Küng. Já seria um imenso progresso!
Em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,
um Papista.
Ratzinger quando Papa , usava sapato de cromo alemão, feito a mão, e óculos com armação das mais caras. Um grande teólogo, mas pastoralmente ruim .Nada se modéstia , foi e é um homem muito vaidoso, mas inegável capacidade teológica dele e de Hans Küng . A grande dificuldade nossa é separar a capacidade das pessoas de nossas antipatias e simpatias .
Bento XVI não usava sapatos alemães. Seus sapatos papais eram feitos pela mesma casa tradicional italiana que faz os sapatos dos papas. E os usava por recomendação do ortopedista. Todos os seus acessórios, como sapatos e óculos eram tradicionais ou presentes. Falar em ‘capacidade teológica’ é outra bobagem. Kung é uma diva que vive dos louros de ser um ‘revolucionário’ entre liberais. Não produz nada relevante há décadas! Ratzinger, por outro lado, foi o teólogo mais importante do século XX até se aposentar. Você tem toda razão em uma coisa, o problema é separar os fatos das nossas simpatias. Isso leva a pessoa a falar qualquer coisa sem saber. É o velho ‘acuse-os do que você faz’.
VIDAS PARALELAS; RATZINGER X KUNG
“Se João Paulo II foi definido como “o pároco do mundo”,
nesta acepção de simplicidade de humildade, pode-se tranquilamente
definir Bento XVI como “coadjutor paroquial do mundo”.
E, além disso, de bicicleta. Se em Bonn, Ratzinger podia andar a pé,
em Munique, como jovem sacerdote, andava de bicicleta de um
lado para o outro, em Tubingen, onde ensinou de 1966 a 1969,
voltou a recorrer às duas rodas. No grande e célebre ateneu
da Suávia, onde tinham estudado Hegel e Schelling e, juntos, tinham plantado
a Árvore da Liberdade, por ocasião da Revolução Francesa,
encontram-se a ensinar, quase dois séculos depois, no meio de
outra revolução, dois jovens teólogos já muito conhecidos,
Joseph Ratzinger e Hans Kung, mas com alguma diferença entre eles:
Ratzinger começa sua atividade de ensino. Chega modestamente
de bicicleta, com uma boina na cabeça, enquanto Hans Kung,
também ele docente em Tubingen, famoso como um star,
desce de um carro desportivo de luxo. Este contraste e
ainda mais as teses bem diferentes dos dois professores
permaneceram de tal modo, até hoje, na memória das
testemunhas daqueles anos movimentados, que disso até brotou um
livro: O que vinha de bicicleta e o que vinha de Alfa.”
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Extraído de BENDITA HUMILDADE – O ESTILO SIMPLES DE JOSEPH RATZINGER
Ed.Paulus, 1ª edição, 2013
Autor: Andrea Monda
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Dois grandes teólogos, dos maiores do nosso tempo:
um chegou ao papado; o outro, já famoso star, que andava num Alfa, licenciou-se da Igreja.
É bem por aí. Quem vestia a bandeira política vivia o contrário do que pregava. Como sempre. Quem vivia uma vida humilde fez mais pela doutrina e pelos pobres do que o “showman”. Mesmo que o discurso fosse bonito, Kung sempre foi como todo liberal: palavras como armas políticas e sem obras.
Obrigado pelo comentário. Fique com Deus.
Hans Kung sempre foi uma pedra no sapato da Igreja. Teólogo que mais prejudicou que ajudou a Igreja. Será que um dia foi católico?
Pois é. Ele se perdeu muito cedo. A sede por revolução e fama. Se tornou uma dor de cabeça que se recusa a passar.
Obrigado pelo comentário. Fique com Deus.
Abraços!