A vida de São Gregório de Nazianzo é uma oportunidade maravilhosa para se confrontar com alguns traços de humanidade que muitas vezes parecem esquecidos em hagiografias (biografias de santos). É uma dádiva poder ver erros ou dúvidas tão humanas em pessoas tão especiais, porque se pode ver a Graça divina no arrependimento, no perdão, e na mudança de vida. É também uma dádiva poder ver a luta interna, e não uma figura humana que algumas histórias teimam em colocar não apenas como um santo, mas como aparentemente sem defeitos, erros, ou dúvidas. Como eu disse algumas vezes neste site, entender que a santificação é uma possibilidade para todos, não importa os seus defeitos, é uma fonte de esperança para todo cristão. E exemplos como o de um Doutor da Igreja são essenciais.
São Gregório nasceu, curiosamente, em Arianzo, e não em Nazianzo, que é uma cidade próxima, também na Capadócia. Viria a ser conhecido como nazianzeno por ter sido bispo de Nazianzo. Seu pai teria influência decisiva em sua vida. Positiva e, em alguns momentos, na opinião do jovem Gregório, negativa. Seu pai (Gregório de Nazianzo, o Velho) era bispo de Nazianzo. Aqui é bom explicar que o casamento de sacerdotes era comum no oriente. Ainda que depois da união, o casal vivesse em abstinência. No ocidente, a prática do celibato sacerdotal é um entendimento que vem do começo da Igreja. Pois bem, São Gregório foi enviado para estudar retórica e, como já dito no artigo anterior (https://www.papista.com.br/2016/02/24/o-grande-sao-basilio/ ), ele foi colega de estudos de São Basílio e do futuro imperador Juliano, o Apóstata, que ainda era cristão nessa época. Gregório se destacava nos estudos e desenvolvia sua paixão pela teologia e a poesia. Gregório e Basílio continuaram seus estudos na Grécia, antes de ir cada um para o seu lado.
Há uma história curiosa sobre São Gregório nesse momento da sua vida. Em uma viagem de barco, durante uma tempestade, o jovem Gregório temeu pela sua alma. Claro que também pela sua vida, mas principalmente pela sua alma. Naquela época, era comum as pessoas não serem batizadas até a idade adulta, e muitas vezes tardiamente. Mas, ao contrário do que se pensa, não é por questões de interpretação bíblica, mas porque existia uma discussão teológica sobre uma possível maior dificuldade de se alcançar a santidade ao pecar depois do batismo. Ou seja, os antigos adiavam seu batismo para se preparar para uma vida menos pecadora no futuro. Embora um pouco de escrupulosidade seja sempre um sinal da santidade (sem nunca chegar ao erro da escrupulosidade de facto, que é um erro teológico grave ao se acreditar estar sempre em pecado, jamais perdoado, ou ser incapaz de estar em Estado de Graça), o problema aqui era o entendimento teológico. O tipo de problema que o próprio Gregório e tantos outros Pais da Igreja ajudaram a resolver. E, claro!, no fundo, muitas pessoas acabavam se afastando do batismo por essa idéia errada sobre o perdão ser mais difícil de ser alcançado depois. Virava uma desculpa para o pecado enquanto jovem para alguns, o que é um entendimento lamentável. Gregório, depois do incidente no barco, corre para ser batizado.
Pouco tempo depois de retornar de seus estudos, Gregório fica sabendo que seu amigo Basílio fundou uma comunidade ascética. O jovem de Nazianzo larga tudo para viver o que parecia ser o seu chamado: uma vida contemplativa e dedicação à poesia e reflexão cristã. Durou pouco! Seu pai, um homem rígido, chama o filho de volta e o obriga a se tornar um sacerdote. Como é comum, especialmente na juventude, Gregório chama aquilo de ‘um ato de tirania’. Até poderia ser naquele momento, mas se mostrou o melhor para ele e para a Santa Igreja. Gregório se destaca em sua pregação. Ele rapidamente foi reconhecido pela profundidade de sua oratória. Um teólogo que conseguia ser profundo sem ser confuso para o povo, o que é raro!
Quando Gregório tenta escapar novamente para a vida ascética, seu amigo Basílio o convence de que não só ele agora um sacerdote não deve retornar ao isolamento (assim como Basílio teve que largar), como Gregório deveria assumir sua responsabilidade, abraçar novas e mais condizentes com o seu potencial, se tornando um bispo do seu povo. O homem de Nazianzo entende sua missão e a abraça. Comentei diversas vezes neste site sobre o erro do sacerdote que acha que deve viver como monge. São missões diferentes. As duas são importantes, mas diferentes. Gregório abraça sua missão com gosto! Seus escritos sobre sua mudança e o sacerdócio foram aclamados e usados em pregação por gente como São João Crisóstomo (para o seu “De Sacerdotio“), e são inegavelmente documentos históricos e definitivos sobre o entendimento do sacerdócio.
Gregório se torna arcebispo de Constantinopla. Para quem não queria ser sacerdote, essa era uma missão que poderia parecer o fim da picada. Constantinopla estava praticamente dominada pela heresia do Arianismo. Com determinação redobrada, o bom filho da Igreja abraçou sua missão e brilhou. Brilhou com sua erudição e carisma, mas também com seu carinho pelo povo. Seus sermões sobre a Trindade são considerados obras-primas da Igreja. Com esses sermões sobre a Santíssima Trindade, e mais uma série de outros tópicos, Gregório defendeu a fé de Niceia contra os arianos. Um bom sinal da eficiência de bons e ortodoxos pregadores é como ele é tratado pelos hereges. No caso, com violência, humilhação, invasão de sua igreja, e julgamentos entre as autoridades corrompidas pela heresia. Se você é atacado por hereges, você está fazendo um bom trabalho!
Infelizmente, quando a monarquia está dominada pela heresia, nem mesmo o Papa consegue impedir o abuso físico. Assim como muitos dos seus colegas Doutores da Igreja, São Gregório foi expulso de sua diocese e teve que voltar para Nazianzo. Lá ele passa os últimos anos de sua vida escrevendo, pregando, e cuidando de suas ovelhas para a dignidade da Santa Igreja Católica.
Seus escritos e pregações, além de sua efetividade contra o Arianismo e a falsa teologia, junto com sua bela teologia trinitária, deram ao santo o apelido de “São Gregório, o Teólogo”. Um nome que carrega um peso enorme, já que foi dado por seus contemporâneos, entre eles alguns gênios da teologia. Mas principalmente por ser também um título dado a um apóstolo do Senhor, São João. É uma honra digna desse gigante da fé e da defesa da Verdade da Igreja; do defensor do Mistério Trinitário; do servo da Igreja que largou tudo para servir, e o fez com amor, dedicação e brilho.
De jovem relutante para guerreiro da ortodoxia. Um erudito que falava tanto aos corações do povo como para corrigir distorções entre os mais cultos. Um exemplo para todos os que acreditam que seus defeitos o impedem de se tornar um santo. Seja como pregador, ou qualquer que seja o trabalho que você possa executar pela Igreja e a salvação das almas. Nenhum trabalho é pequeno demais, nenhum defeito é totalmente incapacitante, e nenhum pecado ficará sem perdão se você se arrepender, confessá-lo, e se esforçar pela mudança.
São Gregório Nazianzeno é o exemplo perfeito de um homem que, como se diz popularmente, “se tornou um herói, mas que não nasceu herói”. Com esforço, mudança, humildade, aceitação, e profunda fé, ele chegou à Graça de Deus. E nós também podemos. Encontre seu carisma; abrace a sua cruz; tenha fé na Palavra de Deus, e assim sigamos em frente.
Sobre maturidade em Deus:
“Deus será ‘tudo em todos’ (1 Cor 15,28) quando nós deixarmos de ser o que somos agora: uma multiplicidade de impulsos e emoções, com pouco ou nenhum espaço para Deus em nós; e nos tornemos todos como Deus, com espaço para Deus e apenas para Ele. Essa é a ‘maturidade’ (Col 1, 28) que nós almejamos.”
Poema de São Gregório, o Teólogo, sobre Deus Uno e Trino:
“Assim que eu reflito sobre o Único,
eu sou iluminado pelo Esplendor dos Três.
Assim que eu distingo os Três,
sou levado de volta ao Único.
Sempre que eu penso em qualquer Um dos Três,
eu penso Neles como tudo.
Meus olhos se enchem,
e tudo o mais que eu estava pensando me escapa.”
São Gregório Nazianzeno, o Teólogo, olhai por nós!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista.