Perguntada por um jornalista sobre o que deveria mudar no mundo, Santa Madre Teresa de Calcutá respondeu: “você e eu”.
Passamos tanto tempo pensando em política, em mudanças grandiosas, salvação do mundo, messias verdes que salvarão o planeta extraindo água do ar ou mesmo de fezes, programas governamentais que darão tudo a todos apenas com o seu voto, que esquecemos o óbvio. Tudo isso demonstra duas coisas:
A primeira é que nós pensamos sempre no mundo, na sociedade, no ‘povo’ etc. Tudo isso é muito bom, mas são grupos anônimos, amorfos e, por fim, distantes.
A segunda é que depositamos nossa fé na politização. Política não é uma coisa ruim por si só. É tão essencial quanto pode ser ruim, como as leis. Mas a politização, na sua forma cada vez mais agressiva, significa depositar tudo em um projeto salvador. No final, inevitavelmente, você está alimentando o dragão que logo tomará o poder. Se você quer que o dragão faça por você e por todos, terá que lhe entregar tudo. O que ele promete entregar é o básico da parte material e ordem, mas do jeito que ele a entender, não necessariamente o que você quer.
Recomendam sacolas ecológicas, mas não usam. Achamos ótimo se todos aderirem à última descoberta científica sobre o iminente cataclisma, mesmo que tudo mude em 20 anos. Era resfriamento gloal, virou aquecimento global. Hora de todos adequarem suas políticas e hábitos ao novo espetáculo do cataclisma.
A gordura, que era ruim, se tornou boa. Comida dietética; sem glúten (mesmo para você que não sofre de doença celíaca); sem calorias; sem ovo; sem sal e sem sabor, todas se tornaram (ou tornarão) vilãs depois de anos nos sendo empurradas goela abaixo! Hora de ditar a dieta de todos, proibir o que antes era recomendado e deixar algum sábio eleito pelo que aparentemente é o nosso único esforço, o voto, decidir isso por você. Tudo baseado em outros sábios, ainda que estes pareçam indecisos quanto ao que realmente está acontecendo. Mas não importa! Faça tudo o que te mandam fazer agora! Afinal, é “pelo planeta”, e quem quer prejudicar o planeta?
Ciência se adequa, evolui, se atualiza com novas informações, você me diz. Basta todos a seguirem e adequarem seus hábitos às novas informações que está tudo bem. Pouco importa se você passou anos sem comer o que era gostoso. Também é proibido apontar para o fato de que tem muita gente correndo com a bola da ciência sem os exatos parâmetros para uma ‘boa ciência’. Não perca sua fé nos sábios. Vote e relaxe. Se eles dizem, deve ser boa ciência. Ou não?
Ninguém propõe destruir o mundo ou acabar com todas as áreas verdes, assim como ninguém propõe matar animais por sadismo. Apenas bebês, pelo que eu tenho visto. E apenas quando são, segundo os defensores de tal prática, “um amontoado de células”. A menos, é claro, que alguém pense que desse “amontoado de células” pode não sair um bebê, mas um gambá, ou uma tangerina. Talvez apenas não seja bebê o suficiente para ser preservado, na opinião de alguns. Mas eu digressionei. O fato é que matar tigres albinos é um problema, sim, e ninguém os quer mortos. Só me perdoe se eu considero a urgência ou a ênfase dada ao animalzinho sofrido um exagero.
O que me preocupa de verdade é a receita para a felicidade do homem. Salvar o planeta, ao contrário do que alguns pensam, não é o mesmo que salvar o homem. Salvar o homem é salvar o indivíduo. No final das contas, é salvar sua alma imortal. Mesmo para salvar o planeta temos que salvar o indivíduo.
Cristo jamais nos disse “salvem o planeta”, ou “ajude o povo”. Ele nos ensinou a nos preocuparmos com o próximo. Ele sempre fala do próximo, do familiar, do vizinho, de quem está ao nosso lado. Mesmo que eles não sejam fofos como o urso panda, legais como um cachorrinho, ou simpáticos como quem a gente vê apenas ocasionalmente, mas pode se distanciar logo em seguida. Não! É a gente chata que mora conosco; os vizinhos malas; aquelas pessoas que pedem comida nas ruas; os doentes; idosos; abandonados, começando sempre pela nossa família e os que te procuram. Não é certo dar dinheiro para ONGs que tentam salvar os pandas se você ignora o senhor faminto e doente na sua calçada. Ou a sua avó doente e agora dependente. Idosos parecem ter se tornado uma coisa descartável. Já não despertam compaixão, ao contrário do urso panda.
Você certamente tem o direito de escolher o que quer fazer consigo mesmo e com o que é seu. Mas também é sua obrigação escolher o caminho certo. E o caminho certo é o caminho de Cristo e sua Igreja. Um caminho sem egoísmo, que respeita a sua individualidade ao ponto de não te tornar um escravo dos seus impulsos e de uma falsa liberdade baseada no mau uso de um individualismo que se torna um vício. É o caminho realmente libertador, já que é um caminho não só intelectualmente bem desenvolvido, mas também intensamente vivido em comunhão com Deus. É o caminho do ‘eu’ no lugar e proporção certos; da admissão de sua pequenez que engrandece sua individualidade. Isso é liberdade e serviço, que é o fruto da caridade e do amor. É o caminho da vida eterna sem esquecer desta vida.
No fundo, nada disso é uma crítica à ciência moderna, mas é uma crítica à politização da ciência e o seu mau uso. Acreditar que a ciência pode ser boa por si só é um caminho que pode parecer apenas leviano, mas é testado e comprovado como caminho de morte e sofrimento, como a eugenia, a “raça superior” etc. É uma crítica à politização de todos os aspectos da sua vida; a politização como sua meta e única maneira de se entender o mundo.
Até mesmo a Igreja! Não passa um dia sem que um católico prove que ele só enxerga a Igreja pelas lentes da política, o que é uma contradição! É o catolicismo sem vivência, que acredita que todas as decisões da Igreja têm que ser tomadas em termos políticos, quando deveriam ser tomados apenas em termos cristãos! Se os valores ensinados pela Igreja se harmonizarem com a minha visão política, ótimo! Se não, talvez eu tenha que rever minha política. Melhor ainda! Talvez eu tenha que entender o que está além da política.
Por fim, há que se perguntar o que realmente deve mudar no mundo. Assim, voltamos à resposta de Madre Teresa, reproduzida no começo deste artigo. Nós esperamos demais de política; de momentos ‘decisivos’ da sociedade política que terminam não sendo o que se esperava; de datas comemorativas para só então fazer algo simples como a caridade; de nós mesmos e de coisas distantes como a ciência ou mesmo do ‘intelectual’; quando deveríamos prestar atenção naquilo que está ainda mais próximo de nós, que é Deus! Mudar a nós mesmos, entendendo e vivendo o que Cristo nos ensinou, é o único caminho possível para a felicidade.
É através desse caminho, com nossa mudança em constante aprimoramento com Cristo como nosso modelo, que inevitavelmente ajudaremos essa entidade distante chamada “o mundo”, ou “o povo”. A caridade será espontânea e sempre presente. A compaixão por bebês, idosos – e até mesmo o urso panda – também. Mudar a si mesmo termina por mudar o mundo. Se Cristo é um modelo inalcansável, lembremos que Ele não espera de nós a perfeição, mas o amor e a vivência do amor, a caridade.
Fui lembrado de um pequeno soneto de Machado de Assis. Arte só pode (ou deve) ser interpretada até um limite, eu sei. Mas eu acho que há mais de um motivo para se refletir com esse soneto. Ao chegar numa data importante como o Natal, não se deve apenas esperar algo do futuro, ou mesmo de Deus. A imagem de um novo dia, de uma nova esperança, é obviamente boa e válida. Afinal, o nascimento de Deus feito homem sempre vai nos levar a pensar nisso.
Por outro lado, talvez sejam datas como essa que nos levem a pensar além disso. Pensar além, por fim, é pensar em si mesmo como filho de Deus. Não esperar o Natal, mas viver o Natal eterno é o que de melhor se pode fazer. Só então é possível se confrontar com a questão principal do soneto.
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Espero que no Natal possamos nos perceber já mudados, homens e mulheres diferentes de verdade, olhando para trás para olhar para frente, para um horizonte mais cristão e uma vida mais completa. O mundo agradece.
em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista.
“Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16, 33)