Agere Contra

By | 23 de janeiro de 2018

Uma pergunta que todo católico se faz é como praticar virtudes. Outra muito importante e que tem ligação com a primeira é como fazer para evitar meus vícios. Todos têm vícios ou mais dificuldade para resistir a certos pecados. A prática das virtudes nunca é fácil, e tornar a resistência ao vício uma virtude é igualmente complicado. O falecido professor Frank Sheed nos lembra em seu livro “Society and Sanity” que não há virtude em resistir o que não exerce forte tentação sobre você. Em outras palavras, ninguém pode se sentir virtuoso se, por exemplo, a gula não está entre os seus vícios e você não cai nessa prática. Ou se cair em tentação sexual não é um problema doloroso para você (um problema cada vez maior em um mundo sexualizado e relativista em sua moral). Nesse caso, resistir a isso não é uma virtude. Mas o que fazer quando uma tentação é tão presente em sua lista de quedas que ela se torna quase um vício? Como fazer para que a sua vida seja um testemunho da sua fé?

O período da Quaresma se aproxima, e a nossa prática penitencial durante esse período pode ser a porta para uma completa transformação espiritual, e não apenas uma mortificação passageira.

A Quaresma é o período do Ano Litúrgico em que a Igreja Católica relembra os 40 dias do Senhor no deserto, sofrendo tentações e se preparando espiritualmente para o Seu Ministério, que culminaria com o Sacrifício Salvífico na Cruz, quando celebramos a Páscoa do Senhor. Durante o período, somos chamados a oferecer penitências e refletir sobre esse momento de preparação até o sacrifício pascal.

Nossas penitências quaresmais podem incluir do mais simples, como evitar certos regalos que nos damos no dia a dia, como jantar fora uma vez por semana; não tomar aquela cervejinha com os amigos; ou tomar banhos frios em lugares frios (ou não ligar o ar-condicionado no verão carioca); até penitências que custem mais esforço pessoal, bem como mais atos de caridade.

Infelizmente, muitas dessas penitências, embora sejam um alerta difícil de ser ignorado durante o período, são deixadas de lado depois da Quaresma. Não que certas mortificações devam fazer parte da sua vida, mas como fazer para aproveitar o momento e junto com elas criar práticas para a vida toda? Práticas diferentes e que possam ser mantidas.

Quem já leu algo deste site, sabe que eu tenho um grande respeito pelas práticas espirituais inacianas, ou seja, criadas por Santo Inácio de Loiola ou estabelecidas pela ordem que ele criou, a Companhia de Jesus, os “Jesuítas”. As práticas inacianas são baseadas no discernimento. Elas partem de uma proposição simples, mas decisiva em todo momento de nossas vidas: você está no exército de Deus, ou no exército de Satanás? Essa pergunta deve moldar todos os nossos atos, e é a partir dela que os exercícios inacianos se tornam transformadores.

Vivemos no tempo que São Thomas More descreveu como “o tempo em que a virtude será punida e o vício recompensado“. Nosso tempo pode ser assim, mas a obrigação do Cristão é se erguer contra o tempo e a favor do eterno. Para isso, é preciso que a prática da virtude se torne parte da nossa vida, para que o exemplo seja o nosso maior testemunho. E nada converte corações como o testemunho.

Sem Cristo, nada podemos fazer (Jo 15,5). Com isso em mente, o primeiro passo da prática da virtude e a derrota dos vícios é se entregar completamente a Deus, se esvaziando (kenosis) cada vez mais para que Cristo ocupe os nossos corações e mentes. Não é a confiança em nós mesmos que vencerá, mas a confiança em Cristo para todos os nossos atos.

A Igreja Católica é a guardiã da verdade imortal, aquela que vem de Cristo, a Verdade encarnada ignorada por Pilatos (Jo 18,38). Omnia Vincit Veritas, a verdade sempre vence. É a entrega ao Senhor que nos permitirá vencer. Em outras palavras, a prática da virtude demanda a entrega a Jesus Cristo como primeiro e último passo da vivência católica.

Como se pratica isso? A melhor maneira de se entregar plenamente ao Senhor é a vivência sacramental. Enriquecidos pelo Espírito Santo no Batismo e Confirmação (Crisma), devemos viver os Sacramentos da Reconciliação (Confissão) e buscar a Eucaristia frequentemente. Não é fácil para as nossas vidas tumultuadas e ocupadas pelo mundo moderno, mas sempre que possível, a vivência sacramental para além dos dias de obrigação é um caminho certo para uma vida mais virtuosa. Qualquer pessoa que se confessa e participa do sacrifício pascal pensa duas vezes antes de permitir se expor a momentos e lugares em que a tentação a espera.

A segunda coisa é uma prática de leitura bíblica mais intensa. Se nos Sacramentos encontramos o Verbo  feito carne, também é necessário acordar e dormir com a Palavra escrita. Na impossibilidade da Missa diária, procure na internet informações sobre a liturgia diária e leia as passagens da Sagrada Escritura. Tente acompanhar da melhor forma possível a Liturgia das Horas. Além disso, procure livros e cursos bíblicos. Tudo isso desenvolvendo a prática da leitura individual e em família.

A terceira coisa é usar tudo isso como base para a prática inaciana (de espiritualidade Jesuíta) conhecida como “agere contra“, que significa simplesmente “agir contra”. Em seus “Exercícios Espirituais”, Santo Inácio recomenda essa prática de várias formas. Se nós nos sentimos espiritualmente ocos ou a desolação tem nos abatido, ou se nossa vida de oração nos parece morosa, ele recomenda mais oração. Ir contra esse sentimento que nos faz desistir, encará-lo de frente e conquistá-lo.

Isso deve ser levado para todos os momentos. Se somos levados à tentação em certas práticas diárias, devemos nos lembrar e agir contra elas antes que elas nos dominem o coração.

Moderação (Temperança) é certamente uma das virtudes mais simples, mas também mais difíceis. Ela é frequentemente deixada de lado como se fosse algo simples para o nosso ego dominado pelo pecado, mas a verdade é que é fácil não ser moderado. Seja na alimentação, ou seja na forma de responder ao próximo, por exemplo. Muitas vezes nós não percebemos, mas poderíamos exercer mais temperança na forma de nos dirigir a familiares, amigos, ou mesmo quem nos perturba de vez em quando. A falta de temperança nesse momento é falta de caridade para com o próximo e arrisca afastá-la das nossas vidas. Pior, pelo nosso mau exemplo, arrisca afastá-las da Igreja. É a definição do ‘escândalo’ para a teologia, por exemplo, quando nossas ações afastam as pessoas da Igreja. Em um nível menor, nossa falta de temperança afasta as pessoas da visão de mundo que abraçamos, já que se é assim que nós fazemos, o que nós estamos ‘vendendo’ não pode ser bom.

Agere contra! Agir contra os nossos vícios antes que eles nos dominem, ou agir contra maus hábitos que sabemos que poderíamos fazer melhor. Mesmo quando não se está combatendo um vício, ‘agir contra’ pode começar como uma prática penitencial e evoluir para uma mudança de vida completa. Tenha força para abrir as Escrituras quando você se sente tentado, ou qualquer prática cristã que desvie o seu pensamento de uma tentação que você sabe que se aproxima perigosamente. Muitos santos tomavam atitudes que hoje parecem drásticas para agir contra a tentação. Não é impossível! Como tudo na vida, melhora com a prática.

Dominar a vontade é um caminho importante para a vida cristã. Começar a ‘agir contra’ com atenção durante a Quaresma pode ser uma ótima opção, mas pode se transformar em um caminho para a conversão profunda, a conversão constante a Deus, quando ratificamos a Aliança com o Senhor e nos entregamos mais e mais à vontade dEle.

Deus nos chamou a ser pescadores de homens (Mc 1,17), e Ele é capaz de fazer santos de nós pecadores. Tudo o que Ele precisa é do nosso ‘sim’ e da nossa cooperação com a Sua Graça. Para isso é preciso agir contra o mundo, ser contracultural e vencer a tentação em uma luta gloriosa com a ajuda do Senhor.

Nos preparemos para Quaresma e para todos os próximos dias de nossas vidas. Não sabemos quando Deus nos chamará para responder pela bênção da nossa vida (Mt 25,13). A hora para agere contra o mundo é agora. O Senhor nos garantiu a vitória (Mc 16,16; Jo 3,18), pois Ele venceu o mundo (Jo 16,33).

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

2 thoughts on “Agere Contra

  1. Bruno de Miranda Santos

    Caro Mateus
    Uma ALEGRIA encontrar uma pessoa com sua devoção e conhecimento. E poder compartilhar sua competência!
    Após a APOLOGÉTICA certamente me sentirei um pouco mais cristão católico apostólico romano. Sei que estou a anos luz de ser uma pessoa à par do que é ser católico, mas tento e me esforço.
    Faço a Crisma, procuro ler as escrituras (iniciante total) e participo do Terço dos Homens como forma de me aproximar de “iguais” que querem estreitar o “papo” com ELE.
    Até nov16 mal conseguia rezar o Pai Nosso e a Ave maria, tropeçava a cada frase…hoje sou o 03 do TH na São José da Lagoa e me sinto muito bem, ALEGRE.
    E vou dando meus passos, mas pessoas como você nos iluminam, ensinam e nos guiam no CAMINHO DA FÉ!
    OBRIGADO!

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    1. Papista Post author

      Que alegria, Bruno. Muito obrigado pelas suas palavras. Espero que aqui você encontre algumas coisas que te ajudem nessa caminhada. Rezarei por você.

      Fique com Deus! Abraços!

      Reply

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