O sofrimento do Rei em Ação de Graças

By | 28 de novembro de 2018

A História da Salvação nos ensina que o caminho da redenção viria pelo sofrimento. O livre-arbítrio nos possibilita escolher nos afastar de Deus. Como toda escolha tem consequências, e essa é a escolha definitiva, o afastamento de Deus tem consequências igualmente definitivas. No entanto, Deus nos dá todas as oportunidades para alterar a rota para o tráfico fim da eternidade separado do amor de Deus. Tais oportunidades, em geral, não são entendidas apenas pela razão. É preciso uma amostra da tristeza do afastamento de Deus para que entendamos que Ele é o único caminho.

Do pecado original em diante, o que vemos na História da Salvação é o caminhar do homem através do seu estado pecador em direção a Deus. Nossa história de vida nada mais é do que um caminhar como o lido na Sagrada Escritura. Não é a vida imitando a arte, mas a vida sendo a vida, com seus tropeços e quedas em uma busca constante pela felicidade. O que a história bíblica nos mostra é que todos passam por isso. As pessoas ali descritas eram reais e viveram em uma etapa dessa caminhada. Olhar para a Escritura em sua totalidade nos mostra muito mais um retrato da nossa vida do que olhar apenas uma parte, ou mesmo uma pessoa. É por isso que não nos basta ler uma parte, nem mesmo apenas o Novo Testamento. Porque para entender o NT, e perceber as bênçãos em Cristo, é preciso entender essa longa caminhada como um grande plano de Deus que culmina na vinda e sacrifício de Seu Filho e Nosso Senhor.

Dentro dessa perspectiva, separar apenas Moisés, ou apenas Davi, seria um erro. Não por acaso, Jesus se apresenta como um Novo Moisés e um Novo Davi. Jesus é o cumprimento da Lei e dos Profetas; Ele é a Sabedoria divina que nos ensina o caminho a Deus.

No tempo de Moisés, o homem precisou ser disciplinado como só um Pai amoroso pode fazer: aquilo que nós precisamos, não aquilo que queremos. Tal etapa da vida vem com sofrimento e uma nova forma de sacrifício oferecido por todos como lembrança do mal que fizeram e do momento em que viraram as costas para Seu Pai.

Chegando ao tempo de Davi, o Senhor quer ensinar que tais sacrifícios não são o caminho para a salvação. Tendo entendido a disciplina aplicada sobre si, o homem havia se acostumado com as duras leis, o que mostra que nós podemos nos acomodar mesmo sob as piores condições. Não apenas havia o homem se acostumado, mas, esquecido da visão geral dos Mandamentos de Deus, o homem viveria as leis menores como elas mesmas o caminho para a salvação.

Isso seria observado pela própria existência dos Fariseus (Fariseu vem do Hebraico ‘Parush’ (פָּרוּשׁ), que quer dizer ‘separados’). Uma tribo que se considerava ‘separada’ por se enxergar como a perfeita cumpridora das leis de Deus. Não exatamente os Mandamentos, mas as leis menores de pureza e os oferecimentos de sacrifício etc. A visão farisaica é parecida com a de alguns católicos que acreditam ser salvos observando as diretrizes do Código de Direito Canônico. Sem dúvida, assim como as leis, as leis da Igreja indicam o caminho e nos ajudam a discernir. Mas assim como Jesus expõe a mentalidade legalista dos fariseus, é pela fé e boas obras que somos salvos, não pelo cumprimento das leis. Por fim, somos salvos pela misericórdia divina, que concederá a Sua Graça a quem assim julgar, não a quem cumpriu tais e tais preceitos. Leis e preceitos são um mapa do caminho, não o caminho.

Chegando ao tempo do Rei Davi, a mensagem se torna clara: “a obediência é melhor que o sacrifício” (1Sm 15,22). Tal mensagem seria repetida pelos profetas de forma ainda mais direta: “eu quero o amor mais que os sacrifícios” (Os 6,6).

O profeta Jeremias nos oferece a comprovação não só do caráter temporário das leis menores, como o erro no entendimento legalista da salvação: “no dia em que os tirei do Egito, não falei ou prescrevi aos seus pais nada sobre holocaustos e sacrifícios. Eu dei apenas uma ordem, ‘obedeçam a minha voz e eu serei Seu Deus e vocês, meu povo” (Jr 7,22-23).

Deus permite que Satanás nos tente (Jó 1,12; 2,6) ou que o mal nos aflija. É uma dura lição que temos que aprender. Acima de tudo, devemos colocar em perspectiva o castigo momentâneo e a eternidade na Glória do Pai. Caso contrário, o que é chamado de ‘problema do mal’ seria insolúvel.

A perspectiva de uma salvação não legalista, mas através do sofrimento, começa a ser melhor delineada com o Rei Davi. Aqui é preciso chamar a atenção para o caso do leitor estar vendo uma aparente contradição na mensagem do fim dos sacrifícios com o início do sacrifício. Um é o oferecimento autômato de sacrifícios externos como forma de agradar a Deus, um caminho que era apenas disciplinar, mas não o que realmente agradava a Deus. O outro é o sacrifício pessoal que nos recoloca no caminho para o amor do Pai e dá sentido ao sofrimento.

Entender o Saltério (o livro dos Salmos) é também entender o caminho da História da Salvação. No tempo do Rei Davi, Deus guia Seu rei para substituir as ‘Hattat‘ (חַטָּאָה), as ‘oferendas pelo pecado’ pela ‘Todah‘ (תּודה), a  oferenda de ‘ação de Graças’ que em grego se chamaria ‘Eucharistia’ εὐχαριστία. Essa modificação não é especulação, mas é uma determinação dada pelo rei e passada pelo Cronista, pois o rei oferecerá o ‘sacrifício pacífico’ (1Cr 16,1), o ‘Shelem’ (שֶׁלֶם), que é um gesto de ‘Todah’, a ação de graças. Tal sacrifício consistia em dividir o pão (1Cr 16,3). Embora as traduções falem em ‘carne’ e ‘bolo de uvas’, muitos pesquisadores consideram que o sacrifício de ação de graças era o sacrifício do pão umedecido em vinho. Tal sacrifício seria conduzido em um banquete celebratório.

O oferecimento do sacrifício de ação de graças (Todah) não foi inventado por Davi, mas era um dos oferecimentos previstos pelas leis levíticas (Lv 7,12), mas um fato interessante é que esse sacrifício celebrado com o pão e vinho era o único em que pão consagrado poderia ser oferecido a leigos. Deus vinha anunciando que os sacrifícios feitos de forma legalista não eram o caminho para a salvação; ao mesmo tempo, o Rei Davi traz a ‘Todah’ para o centro da vida religiosa do povo. Não é coincidência! É a liturgia guiando, na prática, o que devemos entender da Palavra de Deus. A liturgia como o momento em que vivemos a Palavra de Deus e dela devemos retirar o caminho, não de leis.

Acompanhando os Salmos – sempre a melhor maneira de entender o caminho da Aliança no tempo de Davi – vemos que os sacrifícios pelo pecado já não agradam o Senhor e devem ser substituídos pela ação de graças. No Salmo 50(49), Deus diz que não pune o povo por oferecer sua devoção (v.8), mas não deseja mais tais sacrifícios (vs. 9-11). Por acaso o Senhor precisa dos sacrifícios animais (vs. 12-13)? “Ofereça a Deus um sacrifício de Ação de Graças” (Sl 50,14). Mais explícito, impossível!

O segundo livro dos salmos (Salmos 42-72) demonstra a centralidade de Davi e seu reinado, enfim, a Aliança Davídica na História da Salvação. Dessa forma, vemos notas proféticas sobre a restauração do reino. Para muitos acadêmicos por demais preocupados com a crítica histórica, apenas sinais de edição posterior, o que não afetaria em nada a teologia pretendida, apenas indicaria que o editor do Saltério via tais sinais nesses salmos.

No Salmo 51 (Miserere), vemos o lamento de Davi e o clamor pela restauração de sua vida no amor do Senhor. Ao final, vemos o curioso pedido por ‘restaurar as muralhas de Jerusalém’ (v.18). Para além da discussão sobre edição ou não, podemos nos ater à teologia e refletir sobre esse pedido no próprio contexto dos salmos desse segundo livro (Livro II, que juntamente com o Livro III dos salmos, reflete a centralidade da Aliança Davídica).

Nos salmos 52 a 57, vemos a sombra do antigo rei, Saul, sobre a vida de Davi. Considerando que muitos salmos refletem a luta de Davi para solidificar Israel e a palavra de Deus entre os gentios, fica claro a presença de Saul aqui demonstra a dificuldade do Rei entre os seus pares. Tal reflexão não fica sem cumprimento em Cristo, que ensina que ‘um profeta não é reconhecido em sua terra’ (Jo 4,44; Lc 4,24). Da mesma forma, muitos discípulos o abandonariam (Jo 6,66) e mesmo os apóstolos se dispersariam e o negariam.

Começa, então, (mais) uma sequência de salmos de lamento (Salmos 61-64), interrompindos brevemente pelos Salmos 65-68, quando o povo se reuniria com o rei para louvar a Deus em Sião (Jerusalém). Tais Salmos – e nessa sequência – não deixam dúvida sobre o caráter indissolúvel entre o Rei e o Reino. O que afeta o rei, afeta o reino. As bênçãos por um bom rei refletem um bom reino; enquanto as maldições sobre um mau rei refletem desgraça para seu povo.

De volta aos salmos de lamentação, temos outra ‘Todah’ no Salmo 69, que contém outro sinal da união do destino entre o rei e o seu reino (ainda que seja um sinal de edição pós-exílica): “Deus salvará Sião e reconstruirá as cidades de Judá; seus servos para lá voltarão e as possuirão” (v. 35).

Os salmos seguintes continuam a tratar sobre as dificuldades do rei. Não fica mais nenhuma dúvida. O lamento do rei é o lamento do reino. Seu destino é o destino de seu povo. Quando o Rei vier e a tudo restaurar, Seu povo viverá para sempre em Seu Reino. Tal é a mensagem do cumprimento messiânico em Cristo.

O que era uma sombra em Davi, se torna uma realidade gloriosa em Cristo. O caminho para a salvação não é o legalismo, mas o sacrifício. Porém, nosso destino está intimamente ligado ao do Rei dos Reis. Nosso sacrifício, assim como o de Isaac, nada resolveria por si só. Porém, em Cristo, nosso sofrimento é o sofrimento do Rei.

Em Cristo, nosso sofrimento passa a ser a cooperação com o Sacrifício Salvífico. Não mais sacrifícios simbólicos pelos nossos pecados, mas Eucaristia (ação de graças) pelo sacrifício do Rei. O destino do Rei é o nosso. Restaurado o Reino, lá podemos morar para sempre se com Ele cooperarmos.

O sofrimento do Rei é o nosso sofrimento, mas também é a nossa salvação. Obedecer Suas Leis de amor sob a guia da Santa Igreja Católica é de absoluta importância. Elas nos guiam. Porém, é apenas vivendo o que se aprende em Ação de Graças, na forma não de sacrifícios animais, mas de boas obras, é que esperamos ser julgados aptos a entrar no Reino.

O sofrimento do Rei é o que desfaz o sacrifício que Adão se negou a fazer por sua família. O sofrimento do Rei é o único caminho para a salvação, para a vida no Seu Reino. Só quem sofre conhece a misericórdia, e só quem sofre absolutamente conhece misericórdia absoluta. Deus estende a Sua mão para nós a todo o momento. Se nos arrependermos e a Ele voltarmos dispostos a cooperar com o Seu sofrimento, Ele nos perdoará e abrirá as portas do Reino.

Deus não precisa de nós, mas mesmo assim se entregou por nós. Nossa escolha é simples. Não sem sofrimento, mas sabendo que, em Cristo, nosso sofrimento não é à toa ou ignorado. Em Cristo, nosso sofrimento é o sofrimento do Rei. O único que resolve definitivamente o problema do pecado.

Estenda a sua mão a Deus. Ele fará milagres pela sua vida. Cantemos um Salmo e participemos do grande ato de Ação de Graças, a Eucaristia, com toda alegria possível, pois o sofrimento do Rei é a nossa salvação.

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

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