O muito que é nada. Chesterton e o politeísmo.

By | 24 de novembro de 2015

              G.K. Chesterton, em seu livro “O Homem Eterno” (The Everlasting Man), fala sobre um dito hindu que conheceu. Algo como: “Os homens e os deuses existem no sonho de Brahma, e quando Brahma acordar, todos acabam”. Chesterton usa esse ditado em sua ponderação sobre o politeísmo, em que narra com maestria como o homem navegaria entre deuses de muitos braços, animais com auréolas sobre suas cabeças e, quando pensa estar chegando a algum lugar, Brahma acorda e tudo termina. Esse é o ponto alto de sua reflexão sobre como o monoteísmo, embora parecesse primitivo, sem a aparente sofisticação do sincretismo politeísta que é um tipo de paganismo inclusivo, é a única resposta para o que é, afinal, o politeísmo: a ausência de Deus.

                Se a ausência de tal sofisticação de um povo judeu migrante não o permitiu um lugar nos compêndios de mitologia, ela possibilitou o contato com Deus. Deus, aliás, que deixa claro durante os acontecimentos do Antigo Testamento que o que se passava pelos centros intelectuais e culturais do mundo, como Grécia e Egito, não poderia se repetir com os judeus, sob risco deles perderem tudo. O que se vê como ameaça é apenas uma amostra de uma verdade que a tantos incomoda. Esses povos citados repetiam ciclos de destruição de sua própria cultura e povo em nome do que era considerado sofisticado e avançado em sua teologia e cultura. O sincretismo inclusivo e o politeísmo amorfo haviam contribuído não só para a perda da cultura, mas para sucessivos desastres e o fim dessas civilizações como se tem notícia delas. O que sobrou mal se conta a história, comprovado pela dúvida que ainda perdura sobre essas culturas e que provavelmente durará para sempre. Ou pelo menos enquanto houver papiro ou o que mais a arqueologia puder resgatar e que, mesmo assim, só oferecem pequenas pistas e muita especulação. Enquanto isso, o monoteísmo do povo migrante e visto como bárbaro; monoteísmo visto como causa e consequência de seu barbarismo, permitiu não só a preservação de uma cultura e de um povo, mas alicerçou o caminho para a invasão redentora de Deus no tempo e na terra.

                A Grécia já chegou a perder sua cultura por inteiro, incluindo a capacidade de ler e escrever. E mesmo durante o seu tempo de hegemonia cultural, com sua mitologia que até hoje prende a atenção dos homens e é repetidamente vivida em filmes, peças e novos livros; ou sua imensa contribuição para as artes, filosofia e muito mais; deixaram menos documentação do que deveria e, o mais importante, não impediram a cultura grega de declinar e a civilização da época de terminar sem a continuidade do seu modo de vida. O mesmo se deu com a grande civilização egípcia, cujas obras-primas das artes, arquitetura e engenharia existem como uma lembrança de uma civilização perdida. E tantas outras civilizações consideradas mais avançadas e sofisticadas.

                Depois da interpretação marxista ganhar as universidades, além de destaque na literatura (especialmente acadêmica), é quase impossível ver algo diferente de uma explicação rasa com base apenas na relação sócio-política, com muita “luta de classes” para tentar explicar tudo. Principalmente a partir do século XIX, a história tem sido sistematicamente reinterpretada apenas por esse prisma. Da literatura à teologia, passando, é claro, pela história e sociologia. Guerra cultural? Fraqueza cultural? Conflito étnico fraticida? Ausência de base moral sólida? Tudo junto? Para a interpretação atual não é nada disso! Apenas a interpretação sócio-política é usada. Todos no establishment intelectual atual (SIC) ficam felizes e nem se importam se a explicação, no final das contas, é obviamente não só insuficiente para se explicar tudo, como é uma forma de se repetir os mesmos erros do passado ao se perder o foco de questões culturais e morais. Correndo o risco, até mesmo, de não deixar nada para a próxima civilização que tentar juntar os cacos de nosso fracasso cultural e, por consequência, civilizacional.

                Por meio de seus paradoxos, alegorias e, principalmente, muita cultura e senso comum, Chesterton nos pinta um quadro de clareza inegável. O que foi chamado de um sinal do barbarismo judaico – sua crença em um só Deus – é um elemento de união cultural. Uma cola que a tudo une. Uma força que proporciona uma base sólida sobre a qual uma civilização pode, mesmo com seus erros e tragédias, se reerguer e continuar existindo. Enquanto outras, sem essa união, mas com toda a sua dita sofisticação, permanecem apenas como objeto de estudo sem informação suficiente disponível. O monoteísmo, mesmo sob o prisma puramente histórico, é uma evolução, não um atraso. A prova já foi dada pela história e seus sobreviventes.

                Aristóteles, e aqui eu resumo demais o seu argumento teleológico (Ética a Nicômaco), dizia que o objetivo da vida era a “eudaimonia” (felicidade), que por sua vez viria pela “phronesis” (prudência, ou até mesmo a expressão que Chesterton tanto gostava, senso comum). São termos que a modernidade, infelizmente, tem grande dificuldade em entender da forma que o filósofo os via. De qualquer forma, o cristianismo por várias vezes revisitou Aristóteles – e tantos outros – e os viu como base sólida para o desenvolvimento da filosofia cristã. Porém, por mais que a filosofia nos ofereça uma base para o saber e para o desenvolvimento cultural sólido, o caminho descrito por Cristo é algo além disso.

                  Cristo disse que o objetivo da vida é “caritas” (amor). O amor por Deus e pelo próximo. Tudo advém daí. Essa união, primeiramente com Deus, cria uma civilização que se coloca eternamente em vigilância, com seus sentimentos e atos constantemente em cheque, reavaliação, arrependimento e reconciliação.

                  Tudo isso só pode ser feito se houver uma base moral sólida. Uma base moral sólida só é possível com valores. E valores só podem ser a base para tudo isso se forem imutáveis, ou tudo isso será uma contradição. Valores mutáveis são como um monociclo. Você pode até aprender a andar nele, mas alguma hora tem que parar. E quando parar, tem que sair dele. Muito da filosofia moderna até prega que o sentido da vida é exatamente um passeio de monociclo, mas isso não a torna suficientemente estável para durar. Pelo contrário!

                 Nós almejamos não só a nossa salvação e vida eterna no amor de Deus, mas, até o dia do juízo final, a continuidade de nossa civilização cristã. Queremos deixar aos nossos filhos bases igualmente sólidas para que a vida deles seja ainda melhor e igualmente preparada para chegar à felicidade, que é o amor de Deus. Que eles não precisem refazer tudo o tempo todo.

                O paganismo moderno, com seu politeísmo pouco velado, já que natureza, dinheiro, realização pessoal, sexo, e muito mais, se tornaram deuses, objetos de veneração ou objetivos únicos. Mas deuses não são Deus. E muitos deuses não nos deram nada até hoje. Apenas Deus.

                O destino da nossa civilização, a civilização ocidental, ou a chamada civilização judaico-cristã, depende de nossa capacidade de entender o que Chesterton deixou bem claro em seu livro: muitos deuses significa nenhum Deus. E todos nós precisamos de Deus. Ou nossa civilização redescobre Deus em Cristo; e o que significa seguir a Deus ou, como todas essas outras civilizações, desaparecerá abraçada à sua pseudo-sofisticação. Chesterton ainda é um grande farol para dissipar a névoa da confusão mental e iluminar nosso caminho a Deus. Usemos nosso senso comum.

                Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

                um Papista.

2 thoughts on “O muito que é nada. Chesterton e o politeísmo.

  1. Cleisson A Silva

    Deus abenções pessoas como voce, estou rezando para agir tambem diante desta sociedade cega

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    1. Papista Post author

      Muito obrigado! Que esse Pentecostes nos ilumine para que seja realmente uma nova vida para todos nós. Uma em que falemos e façamos o que for preciso para passar a Palavra de Deus.

      Fique com Deus.

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