Apologética – parte 6 – Somente pela fé? “Sola Fide” e o problema protestante.

By | 9 de julho de 2015

Nessa nova etapa de apologética, temos que entender os principais argumentos da reforma protestante e como responder a eles. Há muito o que se falar sobre a reforma protestante, o protestantismo e a incrível desunião que ele causa no cristianismo, seus erros e as figuras responsáveis por tudo isso. Na verdade, teremos muitas oportunidades para discutir essas questões, e entender melhor o próprio protestantismo. No momento, se você estiver pensando que estamos pulando etapas, você está correto. Mas são coisas diferentes. Podemos falar sobre a origem do protestantismo, e o que está por trás de tudo isso, depois. Agora é a hora de falar sobre como defender a sua fé católica com alegria e caridade, com o objetivo de trazer os irmãos desgarrados para a verdadeira fé cristã. E se você é protestante, é o momento de ler com coração e mente abertos, para que você perceba a verdade de Cristo, sustentada e carregada pela Igreja Católica pelos séculos.

Sola Fide’ é o princípio defendido pelo protestantismo de justificação apenas pela fé. É chamado do princípio material da reforma protestante, enquanto ‘Sola Scriptura’ (que examinaremos em um artigo próximo) é o princípio formal. Sem mais demora, vamos à apologética.

“Católicos não acreditam na justificação pela fé?”

– Pelo contrário. Católicos defendem a justificação pela fé em Cristo, mas não apenas pela fé! A fé é o início do entendimento, assim como do processo de salvação. Mas o fim é a Graça de Deus! A Graça Santificadora! Começando no batismo, o homem tem sua alma inundada pela Graça de Deus, e com isso ele tem as ferramentas para, com fé, aprofundar seu conhecimento em Deus; Sua verdade; e entender o que Deus quer dele. Nesse caso, o profundo amor a Deus e ao serviço a Deus e ao próximo. E é esse o segundo elemento da Graça de Deus, aquecido pela fé: a caridade! São as obras de caridade que representam nossa plena fé, e nosso entendimento do Amor de Deus. Sem elas, nossa fé não encontra representação, e fica represada como a água impedida de correr. O resultado pode ser catastrófico, ainda que a Graça Divina, com a fé, possa encontrar seu caminho.

“Então como você define a Graça de Deus, senão o resultado de nossa fé?”

– Isso é uma confusão que alguns, não todos, protestantes fazem. A Graça de Deus não é resultado ou resposta à nossa fé. A Graça de Deus é independente disso. Por sinal, é algo que nós jamais mereceremos por nós mesmos, ou podemos garantir. É um ‘sacrifício provisional’ deixado por Deus em seu sacrifício pascal. Nós fomos perdoados sem merecer, e podemos apenas responder a essa dádiva. A salvação não só não está garantida, como a fé não faz isso sozinha.

“Ahá! Se não merecemos isso, então obras de caridade são irrelevantes, não?”

– Não! No fundo, tudo isso – fé ou obras – seria irrelevante sem o Amor de Deus em seu sacrifício provisional. A questão aqui é que a nossa resposta não é apenas a fé. A fé é o instrumento pelo qual nós caminhamos para a Graça. Mas não é a Graça. Não confunda as coisas. E as obras de caridade são não apenas o reflexo de nosso entendimento, como o reflexo desse amor, o Amor de Deus em nós, trabalhando por alcançar essa Graça imerecida. Como? Por refletir esse amor. Só pode haver amor e seu efeito com uma resposta do outro lado, ou seja, nós. Apenas com o amor sendo refletido em nós pela caridade é que podemos demonstrar o amor de Deus em ação. Ou seja, o trabalho de caridade é sim, parte da nossa salvação. O reflexo do Amor de Deus em nós, que nos permitimos espelhar esse amor e transmití-lo ao próximo.

“Pode explicar melhor o papel da caridade na salvação?”

– Com prazer. Só me permita subir nos ombros de gigantes para isso. Um grande mestre na questão é alguém que eu citarei aqui mais de uma vez, o Dr. John Bergsma, autor e professor de teologia. Como um protestante convertido ao catolicismo, o Dr. Bergsma entende bem dessa questão. Ele também é um mestre da analogia e do ensino visual, utilizando desenhos e histórias para explicar a Bíblia. Com uma de suas analogias fica fácil entender essa questão, mesmo eu não sabendo desenhar.

A salvação se dá pela Graça Santificadora. Ela seria a ilha aonde queremos chegar. A fé seria o barco que nós utilizamos para atravessar o mar e chegar na salvação. Isso basta? Na verdade, não. O barco pode parar, se desviar, se perder. Os trabalhos de caridade seriam como um mastro com uma vela, que usa os bons ventos para nos impulsionar até a Graça.

Lembremos que não é nem a fé, nem a caridade que nos salvam, mas a Graça de Deus. A fé e a caridade são instrumentos dados por Deus para nos ajudar na salvação. Ou melhor ainda, para nós nos ajudarmos pela nossa salvação.

“Tudo isso parece muito bom, mas não contraria as escrituras?”

– É impossível. Se for verdade, não pode contrariar as escrituras. Ao contrário, esse entendimento é bíblico, retirado de lá, passado pelos apóstolos e mantido ileso pela Tradição da Igreja. Esse entendimento só muda com a sanha rebelde e modificadora de Lutero e os demais expoentes do protestantismo. Eles sim, alteraram o entendimento vindo direto da Bíblia e dos apóstolos, distorcendo trechos bíblicos por sua revolta contra a Igreja. Na verdade, Lutero queria até mesmo retirar livros do Novo Testamento, já que alguns deles tornam impossível esse entendimento. Sabendo que retirar um livro do NT seria injustificável e prova cabal de que seu movimento era apenas uma revolta quase juvenil e uma distorção, ele não mexe no cânon do NT, mas deixa um mar de má interpretação que até hoje causa tanta desunião no cristianismo. Voltarei a esse ponto em outro artigo, mas algo entre 10.000 e 30.000 ‘denominações’ protestantes no mundo não pode ser considerado um sinal de união como Cristo ordenou, mas apenas desunião e distorção.

“São Paulo fala explicitamente contra a idéia de ‘obras’ para a nossa salvação em sua epístola aos Romanos (Rm 3, 20-28), não?”

– O versículo 28 (Rm 3, 28) é o versículo usado pelos protestantes, desde Lutero, como desculpa para sua revolta. “Pois julgamos que a pessoa é justificada pela fé, sem as obras da lei“, diz São Paulo. O problema é o mesmo de sempre no protestantismo: isolar um versículo e interpretá-lo literalmente. Dessa forma, ele parece confirmar o que Lutero queria. Só que é hora das pessoas abrirem o olho sobre essa tática de escolher e isolar versículos, ignorar outros, ou eliminar o contexto histórico e o resto do texto. Paulo não falava isoladamente. Não era um biscoito da sorte, soltando frases edificantes sem contexto. O fato é que São Paulo discutia com alguns judeus sobre “obras da lei”! Muitos judeus da sua época ainda não entendiam do que São Paulo, um fariseu, falava sobre a salvação em Jesus Cristo. Ou mesmo não conheciam bem Cristo e sua mensagem. Eles falavam sobre a lei mosaica, e as práticas e rituais que todo judeu praticava como sinal de obediência a Deus e caminho para a salvação. Práticas essas que qualquer cristão, independente de denominação, sabe que haviam se tornado desnecessárias em Jesus Cristo. É esse o ponto da discussão de São Paulo. Absolutamente não quer dizer que obras de caridade são irrelevantes. Elas têm seu papel na salvação.

“Mas e Jo 3, 16-18; Jo 5, 24; At 10, 43? Todos falam sobre salvação pela fé em Cristo!”

– Sem dúvida. Mas, repito, isso não está em discussão. O que discutimos é se ‘somente’ pela fé a pessoa é salva. E não se a fé é pressuposto ou parte da salvação. Nisso, aliás, todos concordam. Mas nenhuma dessas passagens, ou qualquer outra, fala algo sobre a fé como excludente das obras de caridade na salvação. Todos os caminhos, nesse caso, levam à Graça de Deus. E as obras de caridade são importante motor para isso, e parte da vontade de Deus.

“OK, mas eu preciso ver isso na Bíblia!”

– Sem problema. Como eu disse antes, não há contradição na Bíblia. Não é possível. Existem duas passagens determinantes para isso na Epístola de São Tiago. A primeira passagem, Tg 2, 13, fala sobre a misericórdia, e que será julgado sem misericórdia quem não agiu com misericórdia, e que a misericórdia triunfa sobre o julgamento. Ora, misericórdia é uma obra de caridade. Mas o versículo mais importante nesse assunto é Tg 2, 24. Estais vendo que a pessoa é justificada pelas obras, e não somente pela fé. E, sim!, nesse caso, São Tiago falava especificamente sobre justificação e a crescente dúvida em comunidades cristãs sobre o assunto! Com isso ele explica definitivamente o assunto, e o cristianismo passaria mais de um milênio sem dúvida sobre isso. Aliás, em vários momentos a Igreja confirmou a clara mensagem bíblia. A melhor explicação, e que deveria ter sido a definitiva, veio com Santo Tomás de Aquino.

O que é mais interessante é que o próprio Lutero não sabia como escapar da lógica e dos fatos. Só lhe restou tentar cortar a epístola inteira da Bíblia. Aliás, toda passagem ou livro que o impedia de fazer sua revolução, Lutero quis cortar. Me escapa como a pessoa se toma tal autoridade para cortar um livro que ele mesmo diz sagrado. Mas isso não vem ao caso. O fato é que, na impossibilidade de cortar livros fora, ele desenvolveu uma forma seletiva de análise. Uma cortina de fumaça na forma de versos isolados e fora de contexto. Uma forma interpretativa que criou todo o mal, a desunião e a confusão que perduram até hoje desde a reforma protestante.

“Ainda que eu admita que tudo isso faz sentido, preciso então de outra fonte, uma confirmação externa sobre essa afirmação dos católicos de que ‘obras da lei’, na Bíblia, se referem às leis e costumes mosaicos, e não qualquer atividade humana, como Lutero disse.”

– Esse é um pedido justo, mas curioso para um protestante. Se tudo o que vocês reclamam é que não se pode ter uma fonte que não seja a Bíblia, parece estranho que vocês exijam uma prova além das escrituras. Pois bem, só existe uma fonte relevante para isso. Desde a reforma protestante, esse pedido, estranho para um protestante, é feito exatamente porque não se tinha uma fonte relevante para provar a óbvia interpretação bíblica católica, feita com base na Tradição. Ou seja, esse pedido é como uma malandragem pseudo-legalista. Na falta de outro documento, o protestante diz ignorar a Tradição e poderia alegar que, mesmo que a interpretação católica faça sentido, não haveria prova relevante da época. Não existia nenhum outro livro ou texto da época, judeu ou pagão, citando ‘obras da lei’. Porém, tudo isso mudou com os famosos Manuscritos do Mar Morto, descobertos nas décadas de 40 e 50 do século XX. – Mais uma vez, estamos aqui em débito com o estudo e publicações do Dr. John Bergsma, entre outros. – Além de confirmar os escritos da Septuaginta e seu uso na época de Cristo, um de seus muitos tesouros está na forma do pergaminho catalogado como ‘4MMT‘. Nele você descobre um pouco mais sobre os essênios, um grupo judaico que vivia de forma monástica, observando as leis mosaicas de forma rígida. O pergaminho é uma carta dos essênios aos fariseus, e é o único documento em que a expressão ‘obras da lei’ aparece. Nele, ‘obras da lei’ são especificamente o que a Igreja fala sobre as passagens escritas por São Paulo. E são descritas em detalhes. Entre o que se entende no judaismo como obras da lei está incluído: a observação das leis mosaicas e os costumes como: cerimônias de limpeza pessoal; limpeza de alimentos; como lidar com os corpos dos mortos; como tratar o couro extraído de animais e muitos outros costumes cerimoniais descritos no livro de Levítico.

O único uso da expressão ‘obras da lei’ fora do Novo Testamento não deixa dúvida. A interpretação da Igreja Católica não só é correta, como é bíblica e vem dos apóstolos e da Igreja desde o seu início, sendo confirmada de novo e de novo através dos séculos.

São Paulo disse bem. As antigas práticas e rituais são pálidos ante a fé em Cristo. E a fé em Cristo nos faz mais próximos do Amor de Deus, que inspira em nós obras de caridade, e essas tem seu valor na nossa salvação pela Graça de Deus, conforme as escrituras.

Enfim, o princípio de ‘Sola Fide’, a salvação apenas pela fé, não é bíblico, não é correto (isso é confirmado em cada encíclica e extra-canonicamente), e é uma invenção humana, não inspirada por Deus, e totalmente contrária à verdade de Deus, passada ao homem pelas escrituras, pelas primeiras testemunhas, pelos apóstolos e mártires, e confirmada através dos séculos pela Santa Igreja Católica.

Em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,

um Papista.

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