Apologética – parte 3 – argumentos contra a existência de Deus

By | 1 de junho de 2015

Nos artigos anteriores, eu enumerei argumentos clássicos da filosofia e teologia sobre a existência de Deus. Argumentos que mostram que é possível se defender a existência de Deus por meio da razão, e não apenas com os textos sagrados. E que tal discussão é válida, lógica, e profunda. Nada disso pode ser ignorado ou rebatido com simples ataques ou respostas rasas. Se você não concordar, cabe a você se debruçar em muito estudo para dar suas razões. “Eu não gosto” não basta. Nem “religião não lida com a razão”. Se os artigos anteriores não lidaram com a razão, você não sabe o que é razão, ou não tem usado a sua para definí-la. Tem apenas repetido o que outros dizem erradamente.

Agora quero expor alguns dos mais comuns argumentos contra a existência de Deus. Argumentos tidos como poderosos por quem os proclama aos quatro ventos. Ou, pelo menos, pela internet. Alguns desses argumentos são únicos, enquanto outros são tentativas de responder a alguns dos argumentos comuns de teístas, especialmente os cristãos. Obviamente existem muitos argumentos contra a existência de Deus. Alguns são péssimos, outros são bons e merecem atenção. Alguns são muito populares. Se são bons ou ruins, não é o importante agora. Examinemos alguns, mas precisaremos de mais de um artigo para mais. Não sei se farei isso em ordem. Talvez volte ao assunto em outra época, e siga com a apologética para outro lado agora. Vamos lá.

Um dos mais famosos argumentos contra a existência de Deus, e repetido sem cerimônia em quase todo fórum ou site ateísta que eu já vi, veio (pelo que eu sei) de Carl Sagan, o famoso astrônomo. Sagan teria dito que acreditar em Deus é o mesmo que acreditar que existe um dragão em sua garagem. Esse argumento tem diferentes versões, como dizer não acreditar no Coelhinho da Páscoa, ou em Papai Noel. A idéia aqui é de que é impossível provar que esses seres não são reais pelo mesmo motivo que não seria possível provar a existência de Deus, pela ausência de provas. O problema desse argumento é que ele apela para uma negativa e, com isso, joga o ônus da prova para o teísta, sob a idéia de que se eu não posso provar a negativa, então, necessariamente, o ônus da prova tem que ser meu, do teísta. Mais uma vez eu aponto para o fato de que a maioria dos ateus que usa esse argumento não gosta de filosofia, mas tenta usar um argumento filosófico. Porém, para ser justo, esse argumento é baseado em uma versão verdadeiramente filosófica. Sua versão moderna foi popularizada por Anthony Flew, o grande trunfo dos ateus durantes décadas, já que Flew era um filósofo de verdade, e popularizou muitos argumentos lógicos em diversos debates e livros. Antes de se render aos fatos e se tornar um teísta, eu devo dizer. Um dos seus argumentos é exatamente a base para esses acima, os mais usados em diversas formas. Flew popularizou a idéia do ônus da prova sobre o teísta, com base numa ausência de argumento contra a negativa que, segundo ele, seria a base do pensamento ateísta. Em primeiro lugar, o argumento está longe de ser decisivo. Flew pode propor essa regra, mas ele não pode impôr essa regra como limite para a discussão. De fato, não há lógica que sustente a imposição. O filósofo Scott Shalkowski desfaz esse argumento e ordena as coisas de forma muito mais lógica. Ele esclarece que não faz sentido ter que provar a não-existência do Papai Noel pela ausência de provas. E que, de qualquer forma, isso não faz com que a comparação com Deus seja tão pertinente a ponto do ônus da prova passar para o teísta. Ora, qualquer estudo de criminologia mais básico nos mostra o que a lógica pode comprovar: “ausência de evidência não é evidência de ausência”. Ou seja, a idéia de que “você não pode provar que Papai Noel não existe, logo, acreditar nele é tão justo quanto acreditar em Deus” é um absurdo! Exatamente porque não precisamos da negativa, e sim do argumento positivo para negar a existência do Papai Noel. Não é que não temos boas provas sobre sua existência, então “escolhemos” não acreditar em Papai Noel. Nós sabemos que ele não existe! Porque sabemos que não existe alguém vivendo no Pólo Norte que sai na noite de Natal voando de trenó enquanto distribui presentes para as crianças! Nós sabemos e podemos provar! Assim como simples observação não deixa dúvida sobre a não existência do dragão na garagem. Porém, essa mesma constatação não existe quando se trata de Deus. Logo, além do argumento ser falho, não há o menor sentido em se impôr o ônus da prova para o teísta e sair alardeando que o argumento é vencedor. É simples falácia lógica dizer que se não podemos provar que o dragão na garagem não existe, logo, Deus não existe. Não é o suficiente achar que há ausência de evidência para a existência de Deus. Isso não o torna igual ao Papai Noel, ou passa o ônus da prova para o teísta!

Todo teísta acredita que Deus tem uma função nas nossas relações morais. E que moralidade, valores morais, são sinais da existência de Deus. Essa idéia parece mesmo irritar alguns ateístas. Dela eles tiram algumas indagações. A primeira é de que ateus podem se comportar de forma tão ou mais digna e moral do que teístas, logo, segundo eles, moral não tem relação com a existência de Deus. Outro argumento é uma continuação desse, como tréplica à uma possível resposta sobre origem da moral. O que muda é apenas a fonte. Para alguns ateus, moral é apenas um acordo social, parte da nossa evolução. Para outros, é simplesmente um fenômeno da natureza. Alguns citam o utilitarianismo como fonte moral, ou até mesmo razão ou consciência.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que sim, ateus podem e muitas vezes se comportam tão bem ou melhor que teístas. Mas isso apenas indica um comportamento a partir de uma base já estabelecida. Não é uma prova de outra moral. Desde o início da humanidade, nunca se inventou uma nova moral. O homem cansou de se portar de forma imoral, mas nunca se viu, em nenhum momento da história, uma sociedade que valorizasse a desonestidade sobre a honestidade; a vileza sobre a virtude etc. Não se deve confundir algo ser aceito em um momento com ele ser aceitável. E não se pode confundir base moral, que jamais mudou, com comportamento moral, que pode mudar. É um erro comum, mas por isso mesmo deve ser feita a distinção. E vale lembrar que todas as sociedades que se desviaram desse pensamento por muito tempo acabaram.

O segundo passo é corrigir os erros seguintes, caso você insista que a distinção é inútil. Moral, então, é um acordo social, parte da nossa evolução? Isso não é possível. Se fosse um acordo momentâneo, a moral estaria sujeita a mudar constantemente. Se fosse parte da evolução, a moral teria mudado, e estaria ainda mudando. Mas, na verdade, isso jamais aconteceu. De novo, comportamentos momentâneos mudaram, as bases morais jamais. Ora, sem essas bases, nem poderíamos dizer se houve mudança ou não. O padrão existe, e o senso comum o conhece. É moral objetiva, e não apenas subjetiva. Apenas o psicótico e o teimoso podem negá-la. Como Nietzsche, que dizia que era apenas o poder vigente que ditava o que nós entendemos. O problema é que a base para essa conclusão não existe. Se fosse algo definido no momento, nós necessariamente poderíamos ver a mudança, e identificá-la ao longo da história. Mas não podemos. Não existe. O que foi aceito não era o mesmo que aceitável. Como a escravidão. Muitos povos utilizaram a escravidão por um tempo. Ela era aceita, mas jamais aceitável. A mudança não veio pela alternância de poder, mas pela exata noção de que existe uma base moral que não permite esse abuso por muito tempo. Tanto é verdade que, mesmo a escravidão tendo sido repetida diversas vezes, ela sempre encontrou a mesma barreira para impedir sua continuidade. Basta pensar se é possível que você aceite a escravidão novamente. Pode ser até que você a aceite em um momento, por alguma necessidade inventada. Mas isso jamais a tornará aceitável, e mais uma vez acabará. Não é evolução, ou o poder vigente, mas uma base moral sensível a todos que determina isso, a moral objetiva, e não subjetiva.

Para outros, é apenas a natureza que cria a moral. Ela existe como um instinto, que seria o que eu tenho chamando aqui de “senso comum”. Porém, é exatamente o contrário. A natureza não tem certo ou errado. Doenças não se preocupam com o quê ou quem elas matam. Animais com fome não querem saber se você é mãe de família, ou se o bichinho que eles vão devorar é bonitinho ou está em extinção. Não existe justiça na natureza. Justo ou injusto, bom ou mau, são definições nossas. De forma alguma sinônimos de equilíbrio. Mas baseadas em um sentimento que jamais mudou ou esteve ausente da humanidade, por mais que alguns possam ignorá-los. A existência desses conceitos, baseados no senso comum, é uma prova de que existe algo além da natureza! Algo que nos permite qualificar e escolher. O que é natural nada tem a ver com isso. O mundo voltado para a natureza é uma selva, e o homem que idolatra a natureza, invertendo criador e criatura, só pode terminar como um animal.

Alguns ateístas, seguindo a idéia de que o poder vigente determina a moral vigente, descreve assim o utilitarianismo. O que é decidido como útil (ou equivocadamente chamado de “bom”) para a maioria é a moral vigente. Bem, eu sempre achei que uma simples observação sobre nosso sistema político bastava para derrubar essa idéia. Mas se isso não lhe convence, pense só: se a maioria esmagadora da população decidir que escravizar outro povo é útil, isso faria a escolha ser moralmente boa? Além de ser uma escolha provisória, tal coisa não passa do ponto já discutido. Algo se torna aceito, mas não aceitável. É o tipo de raciocínio extremamente seletivo que o mundo moderno tem usado o tempo todo para racionalizar práticas imorais. Algumas são consideradas inaceitáveis em definitivo, e nesse momento parece existir a base moral sólida, detectável pelo senso comum. Em outras, a evolução ou a maioria decidem que essa mesma base objetiva não existe, e que tudo o que existe são práticas pessoais subjetivas, e não bases sólidas para julgá-las. Essa seletividade típica do nosso tempo é não só a prova de que existe algo além disso, como é perigosa. Forçar o utilitarianismo nunca terminou bem para ninguém. Não há razão para acreditar que agora será diferente.

Mais uma vez precisamos diferenciar o que alguns ateístas, julgando ser seus donos e únicos operadores, chamam de razão. Razão é uma ferramenta. Maravilhosa como só ela, é apenas isso. É com ela que podemos identificar e entender a moral. Mas é também com ela que podemos arquitetar as piores atitudes. Novamente, seria confundir causa com ato, base com a ferramenta. Razão não é o que move pessoas a se matar por um filho, ou se sacrificar pelo país. Até existem pessoas que, deparadas com esse fato, colocam a máscara do cinismo intelectual e pregam uma pseudo-racionalidade extrema, em que o homem deve esquecer seus sentimentos e, no caso, operar apenas na racionalidade, na frieza do cálculo ou do utilitarianismo, deixando morrer seu ente querido, ou rindo da idéia do sacrifício. Se você não chegou às raias da psicopatia, você percebe que há algo além da razão na moral objetiva. E que a razão pode ser um belo instrumento, mas não pode ser a fonte da moralidade por si só.

Alguns ateístas, contra todos os argumentos, apelam então para a consciência. Ela seria a explicação para tudo, seja lá o que eles chamam de consciência. Porém, isso também não pode ser a fonte da moral. Consciência individual pode promover coisas igualmente terríveis, que nós somos capazes de identificar como terríveis. Regimes comunistas, por exemplo, cansaram de apelar para a “consciência” das pessoas para estimular os atos mais hediondos. É a “consciência” pelos pobres que pode ser utilizada para promover baderna, destruição, prisão sem julgamento ou mesmo morte. Tudo em nome da consciência em forma de preocupação com os pobres. Stalin, Guevara, Mao, Pol Pot, e tantos outros carniceiros cansaram de apelar para a “consciência” de seu povo para promover os maiores massacres da história. Só algo além da consciência pode dizer que isso jamais é aceitável.

Esgotados muitos desses argumentos, o ateísta militante costuma dizer, então, que Deus é irrelevante. Que temos a ciência, e que isso é o bastante para a vida individual ou coletiva no mundo. O biólogo inglês Richard Dawkins adora esse argumento. Em geral, depois que a maioria das suas diatribes se esgotou. Em primeiro lugar, isso nem deveria contar como um argumento. É uma opinião pessoal. Na pior das hipóteses, é um autoritarismo pouco disfarçado. É convencer as pessoas de que você pode mascarar um sentimento pessoal em uma ação benéfica para uma suposta maioria, e cair nos caminhos tão repetidos quanto tristes da história, como os comentados já neste texto. É um crime contra a liberdade individual que, perpetrado por qualquer lado, teístas ou ateístas, só provariam o que já foi falado: que algo aceito não é necessariamente aceitável. Se você consegue ver isso, você acredita em uma base moral, na objetividade moral, e não pode se furtar de pensar no ponto seguinte.

Moral objetiva, leis morais, têm que ser dadas por um legislador. É nosso pequeno contato, nosso pequeno entendimento desse legislador além de nós que nos permite levantar a cortina ao menos um pouco, o suficiente para entender que ele existe, mesmo que esse pequeno contato também não nos permita o devido tratamento dessa questão. Mas nada muda o fato de que moral indica a existência de Deus, e que nenhuma explicação pseudo-racional a explica convincentemente. Esse é o começo da fé. De forma alguma isso pode ser considerado irracional ou cego. Mas, se a fé começa com a admissão de que a moral indica a existência de Deus, ou que a ausência de provas de certa natureza não prova a ausência de Deus, eu indico o conselho de Santo Agostinho, “crede ut intelligas“: crê, depois entenda. Não é um apelo emocional ou irracional. Mas é exatamente o fato de que, esgotadas as barreiras pseudo-racionais e mesmo as emocionais (afinal, eu nunca vi nada tão emocional como cada discurso do falecido pregador ateísta Christopher Hitchens: “irmãos e irmãs, eu quero libertá-los” etc), só resta acreditar e depois tentar entender um pouco do que é Deus, algo ou alguém que não pode ser entendido absolutamente. Mas que nos dá pistas o suficiente para encontrá-lo.

Em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,

um Papista.

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