Santa Perpétua, as Mães da Igreja e o papel da mulher no Catolicismo

By | 11 de fevereiro de 2015

A era dos grandes pais da Igreja, homens que lutaram pela Palavra de Deus com palavras e feitos, os primeiros a estabilizar a religião, sua prática, interpretação da Palavra de Cristo, além de lutar contra as heresias que surgiam por má interpretação ou malícia, foi chamada de Era Patrística, a era dos Padres da Igreja. O estudo da Patrística é o estudo da vida e escritos dessas pessoas tão importantes. Em todos os momentos da vida da Igreja, o estudo da Patrística a permitiu voltar para os trilhos quando novas interpretações ou experimentalismos corriam soltos e ameaçavam tirar a Igreja dos trilhos. A promessa de Cristo, que a Igreja jamais ensinaria heresia ou erro foi, em grande parte, cumprida com o estudo da Patrística ao longo dos séculos. Mas não deixe que o nome e a descrição dos “Pais” da Igreja te engane ou faça esquecer de que, contidas aí estão as Mães da Igreja também. Mulheres que viveram vidas de santidade e, também por seus feitos e escritos, permitiram à Igreja ser e se desenvolver como tal. São muitas, e assim como os homens da Igreja, suas vidas são tão diferentes como são santas. São histórias de fé, luta, muitas vezes o martírio, outras de grande exemplo prático, e ainda outras que deixaram escritos de valor incalculável.

Santa Perpétua nasceu no século II, não se sabe exatamente quando nem em que lugar. Sabe-se que era filha de uma família considerada nobre, embora sem grandes riquezas ou poder. Apenas, na época, em uma casta que lhe permitiria uma vida livre e um bom casamento. Seu pai era um pagão, e sua mãe, cristã. Aqui é preciso entender o momento do Império Romano. Tertuliano, o escritor romano e apologista cristão, forjou a famosa frase que descreve o período (e continua servindo): “o sangue dos mártires é a semente da Igreja”. As perseguições romanas, embora sangrentas, não conseguiram acabar com os cristãos. Ao contrário, elas davam a impressão de que os cristãos só cresciam com elas, como depois brilhantemente entendido por Tertuliano. Cansados de lutar contra o cristianismo, o Império Romano, a partir do imperador Lúcio Sétimo Severo, tenta outra tática. Daí por diante, não era mais proibido ser cristão, mas seria proibido se converter ao cristianismo. É uma tática interessante, mas falha. Tertuliano nos ajuda mais uma vez. Disse ele em outro escrito que “o cristão não nasce, ele é feito”. Quer dizer, mesmo se você nasce em família cristã, ser cristão é um ato de vontade, uma escolha. E isso serve tanto para nascidos no cristianismo quanto para quem, de fora, reconhece a Verdade de Cristo e decide seguí-la com sua Igreja. Ou seja, você jamais vai conseguir acabar com as conversões. A pessoa que for honesta consigo mesma, e que descobre Deus em Cristo e sua Igreja, não pode voltar atrás, ou fingir que não viu. É a coisa mais importante da vida dessa pessoa, e ela só pode viver ou morrer por isso. É exatamente o caso de Santa Perpétua. Educada com forte influência de seu pai, Perpétua se torna uma cristã, não nasce uma. Para o Imperador, é o suficiente para sua perseguição.

Uma das coisas mais impressionantes sobre Santa Perpétua é justamente que é dela mesma a principal fonte de sua história. Isso significa que Perpétua era uma mulher letrada. Por sinal, um dos presentes dado ao mundo pela Igreja. Ela escrevia bem, fluentemente, e com linguagem e vocabulário variados o suficiente para passear em alguns gêneros dentro de sua própria biografia. Aliás, a biografia com tons intimistas no geral, e principalmente escrita por uma mulher, é outra dádiva da Igreja, iniciada pela santa. É nessa biografia que ela descreve sua família, seus relacionamentos, sua fé, suas experiências místicas e muito mais. Há que se entender que, até aquele momento, biografias, romanas ou judáicas, assim como os evangelhos, por exemplo, não tinham como interesse elementos íntimos, ou grandes divagações sobre estado emocional de seus biografados. Eram biografias práticas, com descrições de atos e, no máximo, a parte emocional era descrita no impacto na sociedade e suas testemunhas. Perpétua descreve coisas que só uma mulher poderia descrever, como a maternidade, sua gravidez e evolução, amor materno e coisas que, claramente, não poderiam ser escritas por um homem da época. Perpétua era casada, e vivia em boas relações com toda sua família. Sua mãe e irmão a encorajavam em sua nova fé, e viam nela grande potencial. É pelo encorajamento deles que seu misticismo aflora, com profunda entrega à oração, recebendo visões proféticas. Em especial, Perpétua vê seu próprio martírio, e entende a promessa de que apenas seu corpo seria ferido, mas que mesmo com toda dor que os mártires sofrem (um dragão, em sua visão), sua alma imortal chegaria ao paraíso. Se negando em uma audiência pública a negar sua fé, Perpétua é presa e condenada à morte. Seu pai começa uma luta pela filha, que vai de apelos às autoridades, até o suborno dos guardas para que ela, grávida, ficasse numa cela um pouco melhor, se é que isso é possível numa antiga prisão romana. Perpétua e outra prisioneira, a escrava convertida conhecida como Santa Felicidade, têm seus bebês e os amamentam por um tempo. Sabe-se que Perpétua pôde entregar sua criança para sua mãe e irmão criarem. Logo após isso, seu martírio ocorre nos “jogos” do Circo Máximo.

Santas Perpétua e Felicidade dividem a mesma data no calendário litúrgico, 7 de março, o que é uma amostra de sua profunda fé, capaz até mesmo de aceitar a prisão e o martírio. Perpétua, além de tudo que eu já descrevi, como seu testemunho, fé, escritos e até mesmo novidade em estilo e forma na escrita, é muito mais que isso. É o exemplo de uma mulher muito à frente de seu tempo. Livre, culta, praticante de sua fé, e não mera espectadora. Ela vive a fé e a divulga. Ela é respeitada pelos cristãos como uma igual, e não como uma anomalia. Tampouco apenas como uma história de fé inesperada. Ela é um exemplo daquilo que a sociedade de hoje tenta esconder, que foi a Igreja Católica que trouxe a mulher para outro patamar na sociedade. A primeira amostra disso é exatamente nos evangelhos. Jesus conversa com mulheres, prega entre muitas, têm mulheres entre seus apóstolos, reúne os mesmos sem excluir as mulheres, e as mesmas são as primeiras e principais testemunhas do que é mais importante em seu ministério: a sua ressurreição dos mortos. É preciso entender que as mulheres naquele tempo eram cidadãs de segunda classe. Seu testemunho, por si só, não valia nos tribunais e, entre os judeus, elas não podiam participar dos cultos nas sinagogas. Apenas separadas. Mas foram os cristãos que, como São Paulo, diziam que em Cristo não há essa separação de homens e mulheres, as mantiveram como suas colegas e testemunhas. Não faltam exemplos de como isso foi motivo de chacota e desconfiança. De fato, se os cristãos estivessem inventando uma religião, isso jamais aconteceria. Jamais permitiriam que mulheres fossem sua principal testemunha, ou mesmo pregadoras e companheiras. Isso apenas atrapalharia. A única explicação para a presença das mulheres em momentos e atos tão importantes, não só nos evangelhos, como em toda narrativa dos primeiros cristãos, é porque isso é um fato histórico, e é o entendimento dos cristãos que as mulheres deveriam ter um papel de igualdade em seu valor. A única divisão seria medida, como em qualquer grupo, a de sua capacidade ou talento.

É muito difícil para o mundo de hoje entender por que não existem mulheres sacerdotes se elas assim acordarem desejando ser. Há um estranho entendimento de que:

– o sacerdócio seria uma posição hierárquica, e não haver mulheres sacerdotes seria a prova de que elas são tratadas como inferiores.

– na atual guerra dos sexos, com o feminismo se perdendo em delírios de mortandade fetal e sexo irresponsável como meios de “provar” que a mulher é livre, elas não serem sacerdotes é uma limitação de uma sociedade chauvinista.

Nada poderia estar mais errado. Em primeiro lugar, o sacerdócio não é uma posição hierárquica. Não é uma posição de poder. É uma escolha entre tantas. São Francisco de Assis não era um sacerdote, e eu duvido que alguém encontre um exemplo tão grande não só de santidade, mas de figura religiosa respeitada mesmo fora da Igreja. Mas, principalmente, tão respeitada dentro da Igreja. Assim como ele, monges e frades não são sacerdotes. Apenas os que assim quiserem, ou alguns escolhidos (muitas vezes sem jamais terem ambicionado) para manter as celebrações sacramentais em suas ordens. E são tão importantes quanto qualquer sacerdote. Apenas funções diferentes. Ah, mas não existe uma hierarquia com bispos, arcebispos, cardeais etc? Ela é simbólica e de responsabilidade, e não uma escada hierarquica como em empresas. Tanto é verdade que monges ou frades, mesmo não sendo sacerdotes, podem ser feitos bispos, cardeais, ou papas. Ou seja, o sacerdócio não é uma escada para outros “cargos”. A incapacidade do mundo atual de comparar tudo com a dinâmica do mundo empresarial é ao mesmo tempo cinismo e miopia.

Em segundo lugar, a Igreja é comprometida com verdades imutáveis, algumas delas facilmente observadas na natureza. Homens são homens, e mulheres, mulheres. Isso não é apenas uma afirmação sobre sexualidade. Mas mesmo na natureza os papéis são distintos para certas funções. Fundamentalmente, o ponto em questão é: apenas mulheres podem ser mães! Ser um sacerdote é ser um “padre”, que nada mais significa que “pai”. A Igreja confirma o que a natureza indica, e antes do relativismo desgovernado do século XX nós sempre soubemos. Pais são homens, e mães são mulheres. O papel da mulher na Igreja é dos mais belos e exaltados. Foram mulheres como Maria, Maria Madalena, Perpétua, Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Siena, que nos indicaram o caminho, e tantas vezes recolocaram a Igreja nos trilhos. Santa Catarina de Siena, no século XIV, colocou um papa em seu lugar e trouxe a Igreja de volta à Roma e aos trilhos. Não foi à toa, por sorte ou coincidência. Ela era uma filósofa e teóloga exemplar, e se correspondia livremente até com o papa, sem nem ao menos a obrigação de chamá-lo por termos formais.

Foi a Igreja que glorificou a mulher, e a colocou em um patamar especial. Através da Igreja a mulher foi reconhecida como tão importante quanto qualquer homem, e sua atuação na Igreja criou mais mulheres personagens históricos importantes, mesmo em séculos de dominação leiga ou eclesiástica cega, do que qualquer outra religião ou sociedade. A lista é gigantesca. Teólogas; filósofas; mártires; místicas; cientistas; professoras; criadoras de novas ordens religiosas; colegas, e não serviçais, de tantos outros santos e pensadores, e muito mais. Mulheres eram reconhecidas como Doutoras da Igreja em séculos em que, na sociedade civil, nem se pensava em valorizar ou dar direitos às mulheres. Elas dialogavam livremente com sacerdotes (ao contrário do que acontece até hoje em algumas religiões), e até mesmo com os papas, para espanto apenas de leigos que engolem lendas negras sobre a Igreja e seu suposto machismo. A Igreja coloca a mulher num patamar lindo e impensável fora dela. Santa Perpétua, uma das Mães da Igreja, foi um dos primeiros grandes exemplos da Igreja primitiva. Influenciou homens e mulheres. O exemplo continua dando frutos até hoje. Ou melhor, pode continuar a dar frutos. Mas apenas se mulheres continuarem sendo mulheres na Igreja e no mundo. Sem mães, ou sem mães e pais devidamente definidos, nem a Igreja pode continuar. O que dirá o mundo.

em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,

um Papista

One thought on “Santa Perpétua, as Mães da Igreja e o papel da mulher no Catolicismo

  1. mmassao

    Excelente artigo. Inspirado sem dúvida.
    Ao falarmos sobre o protagonismo da mulher na história da Igreja, não podemos esquecer da Beata Elena Guerra – “Apóstola do Espírito Santo”
    “Poderia citar apenas um fato histórico que faz de Elena Guerra uma mulher imbuída de espirito corajoso e profético para o seu tempo. Trata-se da consagração do Século XX ao Espírito Santo por parte do Papa Leão XIII. Eis o pedido dela na sua carta ao Sumo Pontífice, datada de 15 de Outubro de 1900:
    “Santíssimo Padre,
    Que o novo século comece com um Veni Creator Spiritus, cantado no início da Missa de meia-noite, ou na primeira Missa celebrada em cada Igreja no primeiro dia do ano”.
    O Sumo Pontífice fê-lo no dia 1 de Janeiro de 1901”
    (retirado de http://www.elenaguerra.org)

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