Quarto Domingo da Quaresma: alegria! O fim do exílio se aproxima!

By | 14 de março de 2021

O quarto domingo da Quaresma é conhecido como o “Domingo da Alegria” (Domingo Laetare). O sacerdote pode trocar suas vestes roxas pela vestimenta rósea, assim como no terceiro domingo do Advento (Domingo Gaudete). Entre todo o simbolismo do dia (como a rosa de ouro dada pelos papas), uma coisa se destaca: marcamos uma data aproximada da metade da caminhada até a Páscoa do Senhor e temos motivo de alegria ao vislumbrar o fim do tempo no deserto.

Como sempre, a Liturgia de hoje é perfeita até mesmo para ilustrar esse sentimento e nos lembrar que a caminhada tem que ser transformadora. Não fazemos penitência para sofrer, mas para ser felizes sabendo que as nossas dores são divididas com o Senhor e que há uma luz no fim do túnel.

A Liturgia de hoje começa com o fantástico resumo da queda de Israel sob os seus pecados. O exílio é o tema central da vida de Israel. A Sagrada Escritura não fala apenas de um passado distante ou de um povo diferente. Somos nós descritos no livro da vida, o livro da História da Salvação. Dessa forma, nós ouvimos a nossa vida na Liturgia. O tema principal? Nós vivemos exilados pelo pecado até o Senhor nos resgatar.

Os livros de Crônicas não recebem esse nome à toa. Eles são um relato histórico, sim, mas acrescentam uma visão teológica a acontecimentos já narrados mais friamente de maneira puramente histórica nos livros paralelos a eles. Os livros de Crônicas, então, são versões dos “livros dos reis” (1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis, que antes eram chamados 1 a 4 Reis). Por isso, muita gente se espanta em ver as mesmas histórias já contadas. Porém, um olhar atento verá que os livros de Crônicas tendem a explicar teologicamente (com forte olhar litúrgico!) o que aconteceu na história já contada.

O final dos livros de Crônicas (2Cr 36) é de onde tiramos a primeira leitura de hoje. É não apenas um resumo histórico, mas um estupendo resumo teológico do que aconteceu para a queda do Reino de Israel. O foco desse final não é mais nos reis ou nos acontecimentos históricos, mas no profeta Jeremias e a sua mensagem a Judá pouco antes da queda.

Jeremias foi o profeta que esteve em Judá durante a queda. Suas profecias não foram ouvidas, seu sofrimento pelo seu povo e sua missão foi ignorado e, como todo profeta, foi perseguido por dizer a verdade a um povo feito surdo pelo pecado. O verso 21 (2Cr 36,21) é de difícil tradução. Assim como na versão da nossa Liturgia, muitas traduções preferem ver o texto como uma citação de Jeremias, o que causa um problema, já que esse texto não existe nesse formato.

Outra opção é que o texto seja “como avisou o profeta Jeremias”, sem dar a entender que essas foram as palavras dele, mas deixando claro que tem relação direta com os avisos de Jeremias. Algo como “a terra desfrutou de seus sábados; durante a desolação ela descansou, até que os setenta anos se cumprissem, conforme a Palavra do Senhor dita pelo profeta Jeremias”.

Dessa maneira, tudo parece mais claro. O texto faz alusão (não cita) a “Jr 29,10”, quando o profeta anuncia que o povo permanecerá no exílio por setenta anos, mas depois será resgatado. Jeremias tem suprema importância nessa narrativa por estar no centro do desastre tentando avisar o povo. Um dos motivos da queda, segundo o cronista, foi não ter ouvido e se curvado à Palavra dita por Jeremias (2Cr 36,12).

E os “sábados” citados no alerta? Do que o cronista está falando? Essa não é uma citação de Jeremias, embora ela estivesse no centro da pregação do profeta. De fato, o ponto é exatamente que ela deveria estar no centro da vida do povo. O cronista está citando o livro do Levítico (Lv 26,34-35).

Como toda a lei dada por Deus, avisos são dados sobre a sua implementação e vivência. Viver as leis traria alegria no Senhor. Contrariar as leis seria o mesmo que se afastar do Senhor e gerar as “maldições da Aliança”, os efeitos do nosso afastamento de Deus. Nesse caso, diz a lei, o pior dos castigos seria o exílio. Por que um exílio?

O centro de tudo é a Liturgia! O texto coloca o Sabá (o sábado destinado ao convívio litúrgico com o Senhor na Antiga Aliança) em seu devido lugar: no centro das nossas vidas. Se o povo não cumprisse os seus “sábados”, se o povo não orientasse a sua vida ao Senhor e com Ele não celebrasse seus dias santos, preferindo a idolatria e o abandono da sua fé, “a terra cobraria os seus sábados”.

É um dos textos mais impressionantes de toda a Bíblia e um dos menos entendidos. O Senhor deixa claro que a terra consagrada a ele “celebraria” o seu descanso mesmo sem o povo. Isso também é uma referência aos anos sabáticos (o sétimo ano, um ano de repouso depois de seis anos de trabalho) e o Jubileu (7×7 anos:49. A cada cinquenta anos, o povo descansaria, perdoaria as dívidas etc. Um ano de libertação). Tudo isso só é possível com a relação com o Senhor no centro de tudo. Sem isso, a terra explorada sem descanso; o homem explorado sem descanso; e os dias santos não vividos seriam celebrados forçosamente sem o povo lá, quando a terra “teria o seu sábado”.

Ou seja, o cronista vê exatamente a ausência da Liturgia como o centro da vida do povo, bem como a exploração da terra e do homem, como a causa teológica para a queda. O homem virou as costas a Deus e pagou o preço sendo afastado da sua terra.

Ao contrário do homem, Deus não esquece as Suas promessas e não abandona a Sua família. Ao final de setenta anos, Ele usaria até mesmo um pagão, o rei dos persas, para resgatar Israel. Esse resgate é o tema central da Liturgia da alegria.

O Salmo de hoje é um lamento por Jerusalém, a terra santa. Se nós virarmos a cara para as leis de Deus, tudo o que poderemos fazer é lamentar ter que viver longe de casa e sob condições degradantes. A saudade dolorosa expressa pelo salmista é a saudade do amor de Deus.

Nós sempre dizemos que “éramos felizes e não sabíamos”. Essa é uma verdade que só é entendida com a perda. Deus, no entanto, é rico em misericórdia, como diz São Paulo na segunda leitura. Pelos nossos pecados, nós estávamos mortos. Estivemos exilados pelo nosso próprio pecado, essa é a verdade que sublinha a Liturgia. Apesar de todos os nossos erros, o Senhor da misericórdia nos dá novamente o dom da vida.

Como Deus fez isso? Essa é a mensagem do Evangelho de hoje, nossa luz no fim do túnel. Impressionado com os milagres, mas sem entender a Palavra de Deus, Nicodemos busca a luz do Senhor. A mensagem de Jesus é simples, mas difícil de ser assimilada e mais difícil ainda de ser vivida. Mesmo assim, são palavras de vida eterna.

Nosso Senhor Jesus Cristo reconta o episódio de Moisés e o povo de coração duro no deserto. Povo que teimava e reclamava do Senhor mesmo tendo sido libertado de outro “exílio”, a escravidão no Egito. Deus enviou serpentes para testar o povo. Através do sofrimento, o povo busca novamente o Senhor, que sempre ouve. O Senhor manda Moisés erguer uma imagem, uma serpente de bronze, em um “madeiro”. Quem olhasse para ela seria salvo (Nm 21,4-9).

O Senhor explica a Nicodemos que o mesmo teria que acontecer com o Filho do Homem. Ele seria erguido no “madeiro”, que significava maldição segundo a Palavra de Deus (Dt 21,23). O plano de Deus é morrer por nós. Não de qualquer maneira, mas jogar sobre Si mesmo as “maldições da Aliança” desencadeadas pelos nossos pecados, pelo nosso afastamento, pelo nosso exílio. Uma morte qualquer não resolveria o problema do pecado. O Cordeiro de Deus se sacrificaria para fazer o que nós jamais poderíamos fazer: vencer os nossos pecados.

A luz veio ao mundo, diz o Senhor, mas os homens preferiram as trevas. Ainda há esperança, diz o Senhor. Ele é a esperança! Quem viver (viver!) o Evangelho se aproximará da luz de Cristo. Não para que nos orgulhemos, mas para mostrar que a nossa vida reflete a luz de Deus.

Fomos exilados pelos nossos pecados. Ainda somos constantemente. Mas a esperança está bem à nossa frente. Está na Cruz de Cristo! Ela já vem. A Páscoa do Senhor se aproxima. Alegria! Nossa libertação definitiva está próxima. É preciso recuperar a alegria de viver o Evangelho, custe o que custar, goste o mundo ou não. Nosso testemunho de amor em boas obras será o sinal da Cruz em nós.

Caminhemos com alegria na Quaresma. A Liturgia desta semana nos trará muitos sinais de esperança. Coragem! A luz de Cristo já despontou no horizonte dos nossos pecados e nada pode impedi-la se dissermos “sim” com as nossas vidas.

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

2 thoughts on “Quarto Domingo da Quaresma: alegria! O fim do exílio se aproxima!

    1. Papista Post author

      Eu que agradeço muito. Fico feliz que esta humilde obra ajude. Fique com Deus!

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