Simão Mago, pai das heresias

By | 9 de julho de 2018

Quem foi Simão Mago?

Nos Atos dos Apóstolos, nós vemos a curiosa figura de Simão Mago (At 8,9-24), um idólatra que fazia “magias” que encantavam o povo. Um pagão que se utilizava de um expediente comum que envolvia invocar espíritos malignos enquanto fazia truques. Ao encontrar os apóstolos, que realizavam milagres verdadeiros, o mago se converte e é batizado. Mais tarde, São Pedro chega até a Samaria, onde Simão se encontra, e vemos o povo receber o Espírito Santo através da imposição das mãos do primeiro Papa e de São João.

Maravilhado, Simão Mago oferece dinheiro para que São Pedro lhe desse tal ‘poder’. São Pedro, então, retira Simão do meio dos apóstolos e deixa claro que ele e a sua turma de idólatras jamais responderão pela Igreja.

O caso é muito mais complexo do que se pensa e vale algumas considerações históricas e teológicas.

Simão Mago é um caso típico de ‘feiticeiro’ pagão da época. No livro dos Atos dos Apóstolos, veremos várias narrativas do poder de Deus vencendo os falsos deuses e a Igreja conquistando as forças do mal invocadas pelos pagãos. É o avanço da Boa Nova de Cristo no mundo através de Sua Igreja.

Note que quando São Pedro e São João chegaram, parte do povo da Samaria já  havia sido batizada. O que, então, os apóstolos faziam através da imposição das mãos? Essa é outra evidência das raízes bíblicas do Sacramento da Confirmação, o Crisma. Filipe era um diácono. Ele podia batizar, mas não Confirmar. Os Bispos, Pedro e João, são enviados para a Confirmação dos batizados. Através do Sacramento da Confirmação, recebemos plenamente o Espírito Santo, que nos ajuda a viver a vida católica, mas também nos dá a obrigação de levar a Palavra a todos. É a Igreja missionária passando os dons recebidos e enviando a todos em missão.

A oferta maldita de Simão Mago, que tentou comprar seu lugar entre os bispos, receberia o nome de ‘Simonia’, que é o pecado de se comprar posições eclesiásticas ou bênçãos espirituais. Esse tipo de mal causaria feridas em certos momentos e em determinadas igrejas locais durante a história, muito embora seja muito exagerado por alguns autores o papel da Simonia na Igreja, além de não ter sido jamais algo ‘institucional’.

Outra coisa é que, de certa forma, a separação decretada por São Pedro a Simão Mago é a primeira excomunhão da Igreja. Ainda que Simão não ocupasse um cargo eclesiástico formal, ele andou com os discípulos por um tempo, se converteu, e é afastado da Igreja e dos Sacramentos. Não poderia ser uma excomunhão formal, mas certamente é base bíblica para tal. Quem vê a impossibilidade de tal afastamento, mesmo que pedagógico, não está sendo fiel às Escrituras.

Os grandes escritores do começo da caminhada da Igreja, sejam eles Pais da Igreja como Santo Irineu e São Justino Mártir, ou historiadores como Eusébio e Josefo, atribuem a Simão Mago coisas gravíssimas nos anos seguintes ao episódio destacado nas Escrituras. Segundo eles, Simão Mago ficou conhecido como:

– iniciador da Gnose no meio cristão, ou seja, um batizado que chegou a andar com os discípulos de Jesus e (tentar) viver a Palavra. Simão Mago não inventou a Gnose, mas foi destacado até mesmo por Santo Irineu e São Justino Mártir como o primeiro gnóstico (falso)cristão.

– pai das heresias. Claro que Simão também não inventou o erro ou a heresia, mas ele levou seu exemplo maligno como pregação e prática para a sua seita. Na visão dos historiadores da época, esse foi o primeiro grande mau exemplo que causaria mais desobediência e provocaria o efeito cascata das heresias subsequentes.

Em sua obra ‘História da Igreja’, Eusébio conta da seguinte forma a influência maligna de Simão Mago e a ação do Espírito Santo através das ações de São Pedro:

O poder maligno, que odeia tudo o que é bom e conspira contra a salvação dos homens, constituiu Simão Mago, naquele momento o pai e autor de tamanha iniquidade, como que para fazer dele um grande antagonista dos grandes e inspirados1 apóstolos do Senhor. 

            Mas a graça divina celestial que coopera com o ministério dos apóstolos, através de sua aparição e presença2, rapidamente extinguiu o fogo do mal e, através deles, humilhou e expulsou ‘tudo o que se exaltava contra a sabedoria de Deus’. 

            Então, nem a conspiração de Simão Mago, ou qualquer outra, conquistou algo na era apostólica, pois tudo foi conquistado e derrotado pelo esplendor da verdade e da própria Palavra divina, que mais tarde começou a brilhar do céu sobre os homens, começando a florescer sobre a terra e vivendo nos apóstolos. 

            Imediatamente, o impostor mencionado antes (Simão Mago) foi alvejado nos olhos de sua mente por um clarão divino e milagroso, e depois que suas más ações foram detectadas pelo apóstolo Pedro na Judéia, ele fugiu e fez uma grande viagem pelo mar do leste ao oeste, imaginando que apenas dessa forma ele poderia viver de acordo com a sua vontade.  

            Chegando na cidade de Roma, através da cooperação com o poder lá adormecido, em pouco tempo ele obteve tanto sucesso que os habitantes locais o honraram como um deus erguendo uma estátua.  

            Mas tal coisa não duraria, pois imediatamente, durante o reino do imperador Claudius, a sempre boa e graciosa providência, que olha por todas as coisas, levou Pedro, o mais poderoso e maior entre os apóstolos, e que por razão de sua virtude falava pelos outros, até Roma contra esse grande corruptor da vida. Pedro, como um grande comandante de Deus, revestido de armadura divina, levou o caro produto da luz do entendimento do oriente até os que viviam no ocidente. Ele proclamou a luz e a Palavra que levam salvação às almas pregando o Reino de Deus” – Eusébio, História da Igreja, cap. XIV (a Pregação do Apóstolo Pedro em Roma), tradução minha.

Um maravilhoso testemunho da história cristã! Também há muito o que retirar da Sagrada Tradição, que confirma o relato de Eusébio em outras fontes da Patrística, como as citadas anteriormente. Vemos a primazia de São Pedro acima de qualquer dúvida, uma verdade para os cristãos; a ação da Igreja contra as heresias que se espalham; a Igreja chegando até Roma para conquistar o mal e transformar o paganismo através da Palavra de Deus, conquistando o que foi a cidade do falso deus César para a cidade do Deus verdadeiro; não mais a origem da proliferação do paganismo, mas a base da Igreja que espalharia a Boa Nova.

Simão Magus, ou Simão da Samaria, foi um dos piores exemplos dos primeiros anos do cristianismo. Ainda que ele tenha sido anulado, sabemos pela História da Salvação que o exemplo pecador leva ao pecado, e o exemplo de membros da Igreja leva centenas ao pecado. Se toda a comunidade não se santifica, uns levantando os outros nos momentos de queda, o mal encontrará morada nos corações, pois somos todos pecadores e precisamos nos esvaziar (kenosis) para que Jesus ocupe nossos corações por completo. Não há exceção, pois o santo é justamente quem sabia disso e por causa disso se esforçou. É o exemplo santo que nos dá a certeza de que é possível.

Que a história de Simão Mago jamais seja considerada algo puramente do passado. Ela é o exemplo que deve pairar como a espada sobre as nossas cabeças. Não estamos salvos, mas podemos ser. É preciso a completa entrega e a vivência da fé para conseguir escapar do pecado o suficiente para que a misericórdia divina, através da fé em Cristo e a Graça de Deus, nos recebam, quem sabe?, no Reino dos Céus.

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

1 – pelo Espírito Santo

2 – na Samaria

2 thoughts on “Simão Mago, pai das heresias

  1. HUGO DE OLIVEIRA CARVALHO NETO

    Gostaria q.me.indicasse alguma fonte q melhor explica a diferença entre alma e espírito.

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