São Chesterton?

By | 23 de março de 2015

Já falei, neste mesmo humilde site, sobre quem é G.K. Chesterton. Não digo “quem foi” porque morre o homem, fica sua obra. E poucas pessoas produziram mais do que Chesterton. Seja em artigos devorados com avidez pelo público, seja em livros de contos, ficção, biografias, teologia, filosofia; seja em poesia, crítica literária e muito mais. É possível falar sobre Chesterton por anos e não esgotar o assunto. Chesterton, como outros, merece a imortalidade das melhores letras e o mundo será melhor se assim o cultivar. Mas, fora a sua obra, seria Chesterton um santo? Existe um processo para a canonização de G.K. Chesterton e muitos admiradores olham a iniciativa com bons olhos. O que seria isso? Quais são os obstáculos? Por quê? Quais as consequências, além de se ganhar um novo santo?

Em primeiro lugar, temos que definir o que é um santo. Um santo é todo aquele que está no paraíso! Ponto! Qualquer pessoa que, aceitando Cristo como seu salvador, através de Sua Igreja, vivendo uma vida virtuosa em fé e caridade (fé na prática), tendo se arrependido dos seus pecados, pode merecer a comunhão absoluta com Deus que é estar com Ele no paraíso. Todo aquele que assim viveu, tendo aceitado e merecido a Graça e o perdão de Deus, é um santo.

A canonização não é algo decidido pelo homem, ao contrário do que muitos pensam. E não são só os santos que nós conhecemos que assim o são. E aí está um ponto importante. O homem, inspirado por Deus, através de Sua Igreja, pode reconhecer que algumas pessoas são santas. Toda pessoa “que está no céu” (no popular) é um santo. Ou seja, “reconhecidos” é a palavra-chave! A Igreja reconhece alguns santos entre a multidão dos que se foram. Isso não quer dizer que, entre as milhares de pessoas, a saudosa avó de quem lê isso não pode ter sido uma, por exemplo.

Chesterton levou uma vida virtuosa. Mas não é a virtuosidade de um gênio que faz um santo. Claro, um homem também pode transmitir em suas obras todos os seus erros e pecados, mas no caso de Chesterton, não me parece haver um impedimento em sua obra. Então, resta o outro lado. Sua vida pessoal. Teria ele levado uma vida de verdadeiras virtudes? O que sabemos sobre a vida dele? Na verdade, bastante coisa. Chesterton não era um recluso, nem deixava sua vida escondida. Era um homem aparentemente bem relacionado com sua comunidade, com muitos amigos próximos, colegas da imprensa, literatura e artes. Era um homem de reuniões de amigos e de vida familiar ampla. Não foi um homem difícil de ser biografado quanto à sua vida pessoal. E esse é um ponto importante. Sua vida pessoal não é um mistério. Se não é uma vida pessoal exposta como as das biografias modernas, com escândalos e exagerado interesse em sua vida mais íntima, ela tem não só muitas coisas públicas, como também testemunhos e entrevistas sobre ela.

Seria uma canonização difícil de ser conseguida, de qualquer forma. Incomum, mas não inexistente. Chesterton não era um asceta, pelo contrário. Era um homem rotundo, que chamava ainda mais atenção por medir mais de 1,90m. Seus hábitos alimentares poderiam ser um problema? Afinal, a gula é um pecado grave. Chesterton não só tinha a barriga para provar, mas era conhecido por comer e beber em certa quantidade. A bebida menos que a comida. Porém, existem santos gordos, como São João XXIII. O fato é que, teologicamente, a gula é um pecado não pelo excesso de alimento e bebida em si, mas porque todo pecado capital é uma porta para outros pecados. A gula, assim como a luxúria, é um desejo desmedido, uma necessidade de colocar a si mesmo em primeiro lugar, com seus desejos como prioridade absoluta. É um pecado de egoísmo. Em geral, sinaliza outros hábitos ruins que levam a pecados muito piores, levados pela sua incapacidade de priorizar a parcimônia e um olhar cristão ao seu papel e dos outros em sua vida e no mundo. Chesterton, pelo que tudo indica, tinha um problema de peso, mas não era um homem egoísta. Pelo contrário! Era tido como extremamente generoso e de boa convivência. Até mesmo com seus maiores críticos. Para alguns, ele era quase bobo com seus críticos e “inimigos”. Era dito que eles o viam como inimigo, mas ele jamais os viu assim. Chesterton era um crítico social firme e um homem que jamais abandonou o trabalho de caridade ou missionário da Igreja. O “gigante gentil” poderia ser uma expressão criada para descrevê-lo. Ficou famoso pelo seu carinho pelas crianças e era comentado que o fato dele e sua esposa jamais terem conseguido ter filhos parecia ter alguma influência nisso. Sua preocupação com os pobres e com os injustiçados era notória. Não me parece que seu amor pela comida ou bebida seja um impedimento, como não foi com outros. Alguns críticos fazem parecer que só os ascetas, místicos ou mártires podem ser santos. Defender isso obstinadamente seria uma heresia, já que não está em conformidade com os ensinamentos da Igreja. Essas qualidades podem ajudar a reconhecer santos na multidão, mas não os tornam parte de um grupo tão seleto assim. Chesterton gostava de comida e bebida, mas nada que fizesse dele um viciado ou um egoísta.

Talvez o grande obstáculo seja um que já devia ter caído por terra faz tempo. É uma acusação tão usada, às vezes de forma inconsequente, que a faz banal quando não devia (quando é real). Chesterton, para alguns, seria um “antissemita”. Essa, infelizmente, é uma acusação grave. Mas, felizmente, é só uma acusação. Não é verdade! Chesterton, assim como tantos antes dele, e ainda no seu tempo, teria (segundo a acusação) preocupação com o que se chamou pejorativamente de “o problema judaico”. Há que se definir o que era isso em contexto. Na Europa antiga, o judeu era considerado um praticante de algo condenável, a usura. O avanço do capitalismo, na visão de um distributista como Chesterton, dava sinais de ser uma prática judaica elevada à milésima potência, posto em prática sobre uma Europa despreparada para o ritmo forte de mudanças que o capitalismo imprimia. Isso não era uma opinião só dele, aliás. Por mais que soe idiota para alguns hoje, na época não era. Se assim fosse, muito do que aconteceu no século XX não teria acontecido. Infelizmente, essa visão existia, e era motivada, também, por um alastramento rápido demais de um capitalismo que mudava a face da Europa em ritmo inédito. Isso não é uma condenação do capitalismo, mas é um fato que mudanças bruscas produzem problemas e ressentimentos. Talvez você concorde se conseguir fazer uma transposição honesta das circunstâncias. Mas talvez nem isso você precise. Aqui entram os fatos! Chesterton, na verdade, dizia que “o problema judaico” era uma visão que a maioria parecia ter sobre o sionismo. Mas, ao contrário dessa visão, Chesterton acreditava que apenas um pequeno grupo de judeus era ganancioso, tinha más intenções, e maus hábitos para avançar seu sionismo. Chesterton não implicava os judeus como um povo, de forma alguma. Era uma percepção como tantas críticas feitas por ele a qualquer pessoa. Seu maior alvo, aliás, eram os próprios cristãos.

Chesterton, no fundo, também era um sionista. Quer dizer, ele via como inevitável, e preferencial, que os judeus tivessem sua própria terra. Assim como tantos judeus sempre acreditaram. Isso faz dele um preconceituoso? Parece uma contradição. Seria sua vontade motivada, não por uma vontade de ajudar, mas por uma vontade de se livrar deles sem violência? É difícil ver esse desdém em seus escritos; essa vontade de removê-los das proximidades. Ainda que essa fosse a visão bem conhecida de alguns. Por mais que alguns (alguns!) judeus às vezes se ofendam com facilidade, é difícil negar o óbvio. Nesse caso, a visão de que judeus ortodoxos vivem separados, senão fisicamente, mas em ações. Como casar apenas entre si; ter nomes para quem não é judeu (Gói), e fazer, constantemente, não-judeus se sentirem tratados com desdém por não serem parte do “povo escolhido”. São problemas de convívio que não podem ser ignorados. Nem tampouco são diálogos que devem ser encerrados com a carta fácil do “antissemitismo” no pós-holocausto. Graças a Deus, nem todo judeu assim o faz, bem como nem todo não-judeu se incomoda facilmente. Chesterton não se incomodava. Pessoalmente, ele jamais mostrou algo além de respeito e admiração. Como analista político, é fácil – porém desonesto – pinçar frases que o façam parecer preconceituoso. Em seu contexto (literário e histórico) certo é possível enxergar essas frases sob a devida luz: como parte de uma análise de um mundo muitas vezes preconceituoso, ou com dificuldade no diálogo.

Chesterton foi um dos primeiros a entender e condenar o que seria mais tarde o nazismo. Foi mais vocal do que a enorme maioria dos seus pares em sua condenação, chegando a escrever que “morreria por qualquer judeu na Europa” frente ao preconceito e ao exagero de uma condenação vil pelo que deve ser, como dito antes, apenas um problema de convívio a ser resolvido com diálogo e amor ao próximo. Essa defesa de Chesterton não deixa dúvidas sobre o que ele dizia do problema “com” os judeus e não um “problema judaico” a ser resolvido pela força, tampouco um impedimento de convivência. Ele ainda deixou claro que os cristãos “deviam Deus aos judeus”, e explorava essa idéia em detalhes sempre elogiosos.

Chesterton foi homenageado e absolvido de qualquer tentativa de fazê-lo parecer antissemita por inúmeros rabinos e, acima de tudo isso, pela “Biblioteca de Wiener” (The Wiener Library for the Study of the Holocaust and Genocide), a instituição judaica mais antiga e importante para o estudo do Holocausto e história dos judeus. Aqui há que se dar o devido peso a isso. Não é uma jogada política ou um agrado. Chesterton, na época, havia até sido razoavelmente deixado de lado pelo establishment literário. Sua redescoberta e devida importância viriam anos depois, com sua visão quase profética do futuro sendo realizada, e seu incrível gênio sendo admirado em suas diversas formas de produção intelectual. Não havia motivo para esse gesto, a não ser que fosse verdadeiro. Pelo contrário! Depois da Segunda Guerra Mundial, muitos judeus estavam, com justiça, bastante arredios e desconfiados. Declarações de antissemitismo voavam para todo lado e muita gente – até quem não era – podia ser visto com desconfiança. Chesterton não tinha importância política para um gesto vazio. Ele foi absolvido pela história, através da pesquisa da Biblioteca de Wiener, porque era verdade! Essa acusação não pode pairar sobre a sua cabeça.

Essas são as duas principais acusações sobre ele. Se, por um lado, elas não têm força para impedir a canonização, não se pode esquecer que não é apenas de se rebater acusações que se trata. Não basta não cometer evidentes atos danosos ao espírito e à comunhão com Deus e Sua Igreja. É preciso exibir virtudes. Chesterton, como noventa e nove por cento de todas as pessoas que andaram e andam no mundo, não era um São Francisco de Assis, ou uma Madre Teresa de Calcutá, pessoas cujas vidas foram um retrato de caridade e dedicação a Deus. É preciso um cuidado enorme para examinar a vida e os atos de uma pessoa aparentemente comum. Retiradas as acusações, e visto que sua vida pessoal não possui impedimentos graves, mas é cheia de bons atos e dedicação à família, Igreja e ao próximo, penso que é aí que suas obras voltam à cena para nos ajudar.

Chesterton foi um dos maiores apologistas católicos da história. Sua obra levou e elevou a Palavra de Deus como poucas na história. Era uma vida de dedicação absoluta aos principios cristãos e ao serviço de pregar a Palavra. Chesterton foi descrito recentemente como uma mistura de Santo Tomás de Aquino com Eddie van Hallen, produzindo teologia, filosofia e profecia histórica em alta velocidade e virtuosismo. Sua canonização não é uma questão de voto ou de preferência pessoal. É questão de se retirar impedimentos, reconhecer virtudes, e encontrar as pistas de Deus juntando todos os fatos à oração. Não é fácil! Porém, se acontecer, posso dizer que seria não só uma alegria para milhões de admiradores, mas uma esperança. A esperança de que nós possamos reconhecer o que Deus já o faz. Reconhecer em Chesterton que Deus também leva para perto de si pessoas que não são vistosamente virtuosas como Madre Teresa, e que é possível ser um santo defendendo a Palavra de Deus em outras áreas, como Chesterton o fez com a sua vigorosa pena. Sem nunca esquecer o exemplo de vida. Assim como é possível alcançar a santidade na vida de casado; no trabalho; na defesa dos princípios inalteráveis no dia a dia, até mesmo no bar.

Como santo, Chesterton seria outro grande exemplo ao mundo. Já foi em vida, com sua produção intelectual. Pode agora ser em vida com seus atos. E na morte com seu exemplo.

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

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