O apóstolo do senso comum!

By | 3 de fevereiro de 2015

Gilbert Keith Chesterton (1874 – 1936), mais conhecido como G.K. Chesterton, foi um jornalista, escritor, poeta, filósofo, teólogo, debatedor, cartunista e muito mais. Se você perguntasse a ele, a resposta seria simplesmente: “um jornalista”. Mas sua obra é ampla demais para aceitar apenas isso. Se você perguntasse a mim, eu diria que ele foi um dos maiores gênios que já andaram sobre a terra, e que sua obra é não só imortal, quanto fundamental para qualquer um que queira entender o mundo moderno, suas idéias, seus erros, e buscar soluções de verdade.

Chesterton, segundo ele mesmo em sua biografia: “fazendo reverência em uma credulidade cega, como é hábito meu, ante mera autoridade e a tradição dos mais velhos; engolindo supersticiosamente uma história que eu não pude testar na época por experimento ou julgamento próprio; sou da firme opinião de que eu nasci em 29 de maio de 1874”. Cresceu apreciando arte e literatura, e queria se tornar um desenhista, um ilustrador dos mesmos jornais em que também queria publicar artigos e contos. Naquele tempo não existia essa coisa estranha chamada “faculdade de jornalismo”, e as pessoas aprendiam seu ofício trabalhando nele. Além disso, os jornalistas vinham, em geral, com uma bagagem em literatura, letras ou artes. Coisas muito mais úteis para uma imprensa melhor. No fundo, Chesterton era um leitor voraz com uma percepção do mundo maior e melhor do que a grande maioria. Perfeito para sua vocação jornalística.

Ainda jovem, o gigante inglês entendeu que apenas o cristianismo oferecia uma resposta definitiva tanto para os anseios da alma, como para os problemas do mundo. Isso permearia toda a sua vida, bem como a sua obra. Como a maioria dos ingleses, Chesterton foi durante muitos anos um Anglicano. Mais tarde ele percebe que o cristianismo só faz sentido na Igreja Católica, e apenas nela se encontra o Depósito da Fé. Sua conversão foi uma benção não só para ele, como para todos nós. Foi a esposa de Chesterton que atrasou consideravelmente sua conversão (oficial e publicamente falando), já que ela mesmo demorou muito para aceitar, entender, e se converter com o marido.

Chesterton ficou conhecido por sua amizade com outro escritor fenomenal, o Anglo-francês Hilaire Belloc. Eles dividiam a mesma fé e as mesmas idéias sobre tantas coisas, que seus amigos criaram o “Chesterbelloc” para descrever a união de idéias dos dois. Chesterton era ainda amigo de vários outros escritores famosos da época, incluíndo aqueles que escreviam o que ele detestava ou que eram contrários a ele em tudo, como seu “amigável inimigo”, George Bernard Shaw. Ao contrário de Belloc, Chesterton nunca tinha uma palavra mais áspera contra alguém. Ele era um gigante gentil, que apenas combatia idéias, e não pessoas.

Não só com artigos e livros de teologia ou história que Chesterton ficou famoso. Ele foi também um autor de histórias de detetive. Seu personagem principal, um detetive pouco provável, era o Padre Brown, e seus divertidos livros são sucesso até hoje, sendo traduzidos até para o Português, nesta várzea de país que publica tão pouco.

Ele também escreveu belas poesias e obras-primas da poesia épica, como “The Ballad of the White Horse”, considerada por alguns o último grande poema épico escrito em língua inglesa. Também a grande batalha de Lepanto, praticamente (ou totalmente?) esquecida em nossas salas de aula (apesar do fato de que se ela tivesse terminado de forma diferente nós seríamos todos turco-otomanos), é descrita com perfeição no mais incrível poema épico escrito nos últimos séculos: “Lepanto”. A estrutura do poema e sua linguagem são absolutamente perfeitos. Você consegue visualizar a história acontecendo, e sente o ritmo dos tambores de guerra nele descritos.

Chesterton escreveu aproximadamente 5000 artigos em jornais. É uma vida inteira dedicada à imprensa, mas não só à imprensa. Sua incrível capacidade para produzir artigos e falar com propriedade sobre diversos assuntos fez com que Chesterton fundasse seu próprio jornal, o “G.K.’s Weekly“, para publicar seus artigos e dar espaço a outros escritores da época. Seus artigos têm sido publicados em compilações, e é possível e desejável que ainda vejamos muitos outros livros seus sendo publicados a partir deles.

Uma das coisas mais surpreendentes sobre Chesterton é sua visão para o futuro. Algumas coisas são definitivamente proféticas em sua exatidão. Chesterton previu a eugenia e seu desenvolvimento abortista no que seria hoje sua forma disfarçada e propositalmente diluída no que é chamado candidamente de “movimento pró-escolha”. Quando Chesterton escreveu sobre eugenia, ele mesmo teve dúvidas e guardou o livro. Será que a humanidade cairia tanto, e tão rapidamente? Dez anos depois, seus colegas mais próximos pediam pelo livro, pois os sinais, para quem queria ver, eram claros. Isso na virada do século XIX para o século XX. Infelizmente, tudo o que Chesterton descreveu, aconteceu.

Assim como Belloc, Chesterton foi um vocal opositor de Hitler e seu movimento baseado na eugenia ainda antes da maioria começar a se preocupar. Chesterton foi um visionário sobre o que o nazismo faria com os judeus. Além de todos os aspectos mais óbvios, ele falava candidamente sobre como a postura de alguns judeus do seu tempo e sua aparente superioridade como “o povo escolhido”, trariam uma resposta teórica similar (ainda que mentirosa) de Hitler. Na prática, a resposta seria na forma de enorme violência e respaldo da eugenia e seus defensores. E assim foi. Claro que a franqueza com que Chesterton tratou a postura de separação dos judeus na Europa da época lhe custou acusações de antissemitismo, uma acusação errada e usada de forma exagerada depois da Segunda Guerra.

Chesterton era um adepto do Distributismo, uma teoria econômica baseada nos ensinamentos sociais da Igreja. Pretendo me debruçar mais sobre o distributismo em outras postagens, mas resumo exageradamente aqui para dar uma noção desse belo pensamento econômico e social. Distributismo vê o socialismo e o capitalismo como produtos do iluminismo, e problemáticos exatamente por neles não existir o foco na pessoa, passando pela comunidade, e na Tradição. Ainda que existam muitas nuances nessa comparação entre socialismo e capitalismo, dispensável neste artigo. A propriedade privada seria a base do distributismo, assim como os meios de produção igualmente privados, nas mãos dos trabalhadores, e não como mão de obra em empresas dos outros. Dessa forma, todo trabalhador seria sócio, ou algo similar, de seu trabalho. Ou seja, resumindo de forma grosseira, é um modo de cooperativismo, mas com foco na propriedade privada e não uma visão “hippie” de cooperação. Um dos melhores livros para se entender isso de forma moderna é do famoso economista E.F. Schumacher, “Small is beautiful: a study of economics as if people really mattered”. No distributismo, corporações gigantes são uma aberração. Empresas poderiam ser grandes, mas desde que a participação de todos os sócios, os trabalhadores, valessem. Por esse motivo, empresas menores são mais bem vistas. Existem exemplos no mundo moderno da idéia distributista dando certo até em uma escala maior, como a “Mondragon Corporation”, no País Basco. É uma enorme cooperativa fundada por um padre que tinha o distributismo como base. O distributismo vem, em sua maioria, de uma encíclica do Papa Leão XIII, a conhecida “Rerum Novarum: sobre a condição dos operários”, uma obra-prima do pensamento social católico, e a maior defesa dos operários e justiça social já escrita. Mas foi Chesterton que certa vez, para resumir em uma frase o distributismo, nos presenteou com o que seria o seu lema: “três alqueires e uma vaca”. Ums síntese simples sobre a pessoa ter a sua propriedade e seu modo de vida. A caricatura de Chesterton junto ao lema é o símbolo deste site.

Chesterton escreveu algumas biografias. Todas são um primor, e tiveram grande impacto no estudo de seus biografados. Sua biografia sobre Charles Dickens foi responsável pela revitalização do nome e da obra do escritor. Nela, Chesterton combate a visão que até então prevalescia, a de que Dickens era um pessimista e que sua obra era parte do que a Inglaterra do começo do século XX tentava esquecer, o puritanismo. Sua biografia de São Francisco de Assis é nada menos que impressionante. Aqui é preciso explicar a maneira com que Chesterton escrevia. Ele é chamado de “o príncipe do paradoxo”, e não é à toa. Chesterton realmente escrevia por paradoxos. Ele cria imagens e comparações incrivelmente vivas, e muitas vezes engraçadas, e depois, quando ele chega no ponto desejado, mesmo que seja algo de grande profundidade filosófica, você a entende! A coisa se torna clara e sem dificuldade. Você consegue enxergar além do que está escrito. Ninguém jamais entendeu São Francisco de Assis como Chesterton. Tampouco o legado do Santo. É uma biografia linda e reveladora, sem deixar os critérios históricos de lado. Na minha opinião, nunca os paradoxos de Chesterton foram tão bem usados como nesse livro.

A biografia mais famosa já escrita por Chesterton é a de Santo Tomás de Aquino. Existe uma anedota contada sobre como Chesterton a escreveu. Mesmo tendo passado sua vida lendo e estudando, Chesterton teria sentido que era necessário estar “na ponta dos cascos” para escrever sobre um pensador tão incrível. Ele teria mandado sua secretária, para quem ele ditava seus livros, buscar uma penca de livros, tanto do autor como sobre ele. Quando os recebeu, teria dado umas baforadas em seu cigarro, folheado um dos livros, e mandado sua secretária começar a escrever. O resto foi tudo direto de sua cabeça. O resultado é um livro nada menos que impressionante. Melhor deixar que um dos maiores Tomistas do século XX o diga. Étienne Gilson, o grande tomista francês, disse sobre a biografia escrita por Chesterton: “eu considero este livro, sem comparação possível, o melhor já escrito sobre Santo Tomás. Os poucos leitores que passaram vinte ou trinta anos estudando Tomás de Aquino, e quem talvez tenha publicado um livro ou dois sobre o assunto, não pode deixar de perceber que a chamada “perspicácia” de Chesterton colocou sua erudição no chinelo”.

Seus livros de teologia e apologética são alguns dos melhores já escritos, e converteram milhares de pessoas, incluindo C.S. Lewis e muitos outros. “O Homem Eterno”, “Ortodoxia” e “Hereges” estão entre os melhores livros sobre teologia e cristianismo, e pertencem à estante de qualquer cristão ou quem quiser entender o cristianismo. Também são necessários para combater heresias e entender como o mundo moderno luta contra a Revelação de Cristo. Mundo que requenta heresias ou vive inventando outras. Tudo isso abordado pelo gênio inglês com rara cultura e sagacidade.

Chesterton foi um dos maiores frasistas da história, e existem milhares de suas frases em livros, filmes, músicas ou apenas rodano pela internet. Seu amigo-inimigo, George Bernard Shaw, disse depois de morte de Chesterton que ele era “um homem de uma genialidade colossal”. Ele estava certo, sem dúvida. Mas, acima de tudo, Chesterton era um defensor do que ele chamava simplesmente de “senso comum” ou “bom senso”. Parece estranho que tal gênio defendesse algo que parece mais que simples, quase simplório. Porém, ele deixa claro que o senso comum é algo muito acima de qualquer erudição ou perspicácia. É algo que vem de Deus e que pode ser reconhecido por todos. É quando não reconhecemos isso em nós mesmos ou nos outros que os problemas começam; quando invertemos o senso comum é que cometemos alguns dos piores erros e crimes contra a humanidade e contra nossa alma imortal. Era dito que Chesterton, o Príncipe do Paradoxo, colocava as coisas de cabeça para baixo. Mas nós é que vivemos de cabeça para baixo neste mundo confundido pelo relativismo. Nós é que precisamos de Chesterton para combater nossos piores impulsos contra nosso próximo, nossa comunidade e contra Deus. Um pouco desse senso comum é o melhor que nós podemos querer nos tempos atuais. O bom senso parece ter sido perdido, mas uma boa maneira de encontrá-lo, sem dúvida, é com a ajuda de G.K. Chesterton!

– “O ideal Cristão não foi tentado e deixou a desejar. Ele foi considerado difícil; e então abandonado”.

– “O certo é certo mesmo que ninguém o faça. O errado é errado mesmo que todos estejam errados sobre ele” – G.K. Chesterton

em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista.

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